domingo, 3 de junho de 2012

Condenado à morte por cantar contra o Irã

Por causa de uma canção na forma de diálogo com o imã Ali al-Hadi al-Naghi - morto há 1.143 anos - sobre as mazelas do povo iraniano sob uma ditadura religiosa, o músico iraniano Shahin Najafi, que vive na Alemanha, foi alvo de uma fatwa (decreto islâmico) condenando-o à morte por blasfêmia. É a primeira sentença do gênero proferida pelas autoridades religiosas do Irã contra um residente no exterior desde que Salman Rushdie recebeu a mesma punição, em 1989, por seu livro "Versos Satânicos".

- Eu continuo trabalhando, compondo textos, pois não vou me deixar dominar pelo medo, mas claro que isso afeta bastante a minha vida - disse Shahin ao GLOBO, por telefone.

Na composição, em estilo rap, Najafi convida o imã, de forma provocadora, a visitar o Irã de hoje para conhecer a realidade atual do país.

A reação do Irã veio há duas semanas. Na sentença, o aiatolá Nasser Makarem Schirasi é indagado sobre qual punição mereceria o "antirrevolucionário" que vive no exterior e ofende o imã, e ele responde: com a condenação à morte. A notícia foi divulgada imediatamente pela imprensa persa, também na internet, onde foram divulgados textos com apelos aos muçulmanos para que cacem o músico. O aiatolá teria oferecido recompensa de US$ 100 mil pela morte de Shahin.

Najafi, de 31 anos, imigrou para a Alemanha em 2005 e, desde então, tem desenvolvido a sua carreira ao ponto de tornar-se o músico preferido da juventude iraniana. Logo que tomou conhecimento de ser alvo de ameaças, cancelou uma turnê europeia, que deveria começar na próxima semana, e foi para um lugar desconhecido, onde é protegido noite e dia por policiais alemães.

Najafi já tinha tido uma experiência negativa com o poder do Irã antes de deixar o país. Por causa de uma canção aparentemente inofensiva, com o título de "Eu tenho uma barba", ele foi condenado a três anos de prisão e a cem chibatadas, mas conseguiu fugir para a Europa. A partir daí, tornou-se ainda mais conhecido como o porta-voz musical da Revolução Verde do Irã - o levante popular após a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, que acabou sufocado pela dura repressão do regime.

Em um vídeo divulgado via internet no início de maio, a música de Najafi, chamada de "Naghi", parece ainda mais provocadora para as autoridades religiosas do Irã, já que o cantor aparece com taças de vinho - o consumo de álcool é proibido pelo Islã - e acompanhado de duas mulheres. As músicas dele podem ser conferidas aqui.

Segundo Schahryar Ahadi, empresário de Shahin, a sentença é altamente perigosa porque foi pronunciada por um aiatolá com adeptos no mundo inteiro. No cálculo das autoridades religiosas do Irã, os adeptos fanáticos do aiatolá que vivem espalhados pela Europa poderiam a qualquer momento executar a sentença contra o músico.

Para o jornalista alemão Günter Wallraff, que chegou a receber o escritor indiano Salman Rushdie na sua casa, em Colônia, logo depois de ele ter se tornado alvo da fatwa em 1989, Shahin Najafi precisa ainda mais da ajuda alemã por ser menos famoso. Wallraff conclamou artistas e intelectuais alemães para uma campanha de solidariedade a Najafi.

Rushdie viveu escondido até 2001, quando o então presidente iraniano, Mohammad Khatami, declarou o caso superado. Apesar disso, o escritor indiano continua recebendo ameaças anônimas. Neste ano, foi excluído de um festival literário na Índia por temor de um atentado terrorista.

- Artistas como Shahin são a esperança dos iranianos jovens, que vivem no país amordaçados e ansiando pela liberdade - diz o jornalista alemão.

O Ministério das Relações Exteriores alemão assumiu a responsabilidade pela proteção do jovem músico e diz levar a ameaça "muito a sério".

Para Walter Posch, da Fundação de Ciências Políticas de Berlim, a fatwa pode ser também uma ofensiva da cúpula do poder do Irã para aumentar o clima de luta cultural no país em um momento de retomada nas negociações com o Ocidente sobre o programa nuclear do país.

Shahin Najafi, que levou consigo para o lugar desconhecido onde vive há duas semanas apenas o violão e uma bolsa com o indispensável, disse que o seu maior problema no momento é a preocupação com o futuro.

- Salman Rushdie sofreu durante os anos que passou escondido mas, para mim, como músico que precisa de contato com o público, o sofrimento é ainda maior.

O jovem músico disse que a vida no Irã é hoje para a maioria um pesadelo.

- Tudo é proibido, música ocidental, expressão livre, até se alegrar publicamente é proibido. Artistas e intelectuais precisam viver com uma mordaça.

Segundo Shahin, o vírus da Primavera Árabe contaminou antes o Irã, já que em 2009 a oposição foi às ruas exigir mudanças, mas a dura repressão, com prisões e tortura em massa, diminuiu o ímpeto dos iranianos insatisfeitos.

- A oposição está enfraquecida mas não morreu. Precisamos ter paciência - conclui o cantor.

TRECHO DE "NAGHI"

Naghi, eu juro pelo teu senso de humor
Esses exilados que pensam que podem criticar tudo
Juro pela magnitude e sabedoria do boicote ocidental
Pelo dólar subindo e pela sensação de humilhação
Naghi, eu juro pelo teu Khomeini de papelão,
pelo recém-nascido, que sai do útero materno e se chama "Ali"
Pela aula de teologia, ali, onde os belos narizes são operados
Oh, Naghi, agora, o imã oculto dorme, nós te chamamos
Oh, Naghi, aparece, nós já estamos prontos.



Fonte: Agência O Globo
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