terça-feira, 19 de março de 2013

O poder do toque

Dar e receber contato físico são experiências fundamentais para o desenvolvimento humano. A pele, além de ser o maior órgão do corpo, é também o receptor do sentido do tato. Através dela, a sensação do toque que damos ou recebemos chega rapidamente ao cérebro, transmitindo-nos tanto o prazer quanto o desconforto dos contatos corporais.

Na nossa espécie, a experiência tátil começa desde a fase fetal. No útero, o bebê recebe estímulos sensoriais o tempo todo através da pele. Nos momentos que antecedem ao parto normal, são os estímulos corporais que sinalizam tanto à gestante quanto ao nascituro que é hora da chegada de um novo ser ao mundo. E é também no contato corporal com a mãe que a criança faz sua primeira comunicação com o mundo externo. Através desta interação física, o recém-nascido pode receber novamente o conforto perdido da vida intrauterina e experimentar o calor e a segurança tão necessários para sua adaptação e desenvolvimento nos primeiros anos de vida.

O contato através da pele é um meio potente de comunicação que poderá ser desenvolvido ou bloqueado. Na verdade, as pessoas deveriam se tocar mais. Em muitas situações da vida, um toque é sempre importante e pode mesmo ser terapêutico. Uma pessoa entristecida, por exemplo, pode ser confortada através de um abraço demorado e acolhedor. Momentos de sofrimento podem ser aliviados quando alguém toca o ombro ou segura a mão de quem sofre; aquele que chora precisa de quem, suavemente, lhe enxugue as lágrimas, e assim por diante. Quem já desenvolveu essa sensibilidade saberá o tamanho, a forma e a intensidade de como deve ser o contato físico.

Numa sociedade erotizada como a nossa, qualquer referência a toques entre seres humanos tende logo a receber conotação sexual. Contudo, o ato de tocar também passa pelo interesse genuíno e cheio de amor pelo próximo, pelo desejo profundo de dar e receber afeto. A falta do contato físico tem acarretado muitos danos ao ser humano – e não apenas no desenvolvimento de algumas doenças físicas, mas também na interação social do indivíduo e na sua capacidade de expressar amor e criar vínculos. Ashley Montagu, antropólogo inglês e autor do livro Tocar – O significado humano da pele, cita em sua obra que a falta de contato físico e do aconchego do colo pode aprisionar uma pessoa dentro de si mesma, dificultando tanto sua caminhada na direção do outro como a aceitação da proximidade com outras pessoas. Para ele, o contato ajuda o ser humano a ultrapassar a barreira da sua própria pele, a qual o separa do seu mundo externo. Assim, o ato de tocar funciona também como uma espécie de libertação.

Há várias razões pelas quais podemos ter dificuldades tanto em dar como em receber o toque. A primeira delas é simples: não tocamos porque não fomos tocados por aqueles que cuidaram de nós e não sabiam da importância deste contato. E a dor causada pela ausência do toque poderá se manifestar de forma intensa e insuportável quando somos tocados ou desejamos tocar. Segundo, porque muitos de nós nascemos de pais que não sabiam separar o toque amoroso e carinhoso do contato visando relacionamento sexual. E dessa forma, além de passarem uma idéia distorcida do carinho, também não deram aos filhos a interação física tão necessária, não apenas no início da vida, mas também quando deixam a infância.

Em terceiro lugar, não tocamos nem nos deixamos tocar porque, em algum momento de nossa vida – ou mesmo repetidamente –, fomos tocados de forma abusiva, egoísta e até com violência. Uma mulher em psicoterapia me relatou que foi molestada e abusada sexualmente na infância por um homem próximo de sua família. Ela tinha o desejo de segurar minha mão e até receber um abraço em nossos encontros, mas a cada vez que tentava se aproximar, lembranças repugnantes e doloridas vinham à sua mente. No entanto, ela não desistiu, e aos poucos ultrapassou as sensações que tinha registrado em sua memória. E, aprendeu a dar e receber o toque carinhoso e desinteressado dos que estavam à sua volta.

Cristo Jesus não se esquivou de ser tocado e nem de tocar. Ele pegou as crianças no colo e colocou as mãos sobre suas cabeças abençoando-as. Tocou os enfermos afastados do convívio social, os excluídos e também os amigos. Estava livre, da mesma forma, para receber o contato físico das mulheres, inclusive das marginalizadas, assim como dos doentes e de seus discípulos. Tanto que João, na última ceia, é acolhido quando reclina a cabeça sobre o peito do Mestre.

Como filhos de Deus, somos chamados a expressar amor não somente com palavras, mas com ternas manifestações de carinho e aconchego. Além de aceitarmos a redenção eterna que há na cruz, também precisamos de Cristo para redimir nossos afetos e assim nos doarmos mais através da interação e do toque físico.



Fonte: Esther Carrenho em Cristianismo Hoje
-------------------------------------