A dramaturgia de Joe Orton (1933-1967) deu origem ao termo ortonesco, usado para definir humor de mal gosto. Este inglês de carreira meteórica (o autor começou a escrever em 1963) usou sua graça de moral duvidosa para criticar acidamente valores e comportamentos do homem contemporâneo.
Não poupou ninguém com seu humor negro. Em “Brincando com a Morte”, peça inédita no país, que estreia amanhã sob direção de Alexandre Tenório, o dramaturgo satiriza a caridade cristã.
Orton cria eclesiásticos corruptos e amorais, os quais chegam às últimas consequências para conseguirem o que querem. Enfoca a religião, mas cutuca política, imprensa e coloca em xeque os valores atuais da humanidade de forma geral. “Todas as classes são criminosas hoje em dia. Nós vivemos em fase de igualdade”, chega a anunciar o protagonista (Kiko Vianello) da peça, pastor de uma irmandade vigarista. Como os demais, ele faz as maiores falcatruas, mas mantém a aparência.
A obra apresenta um universo absurdo e brutal, cuja mola propulsora é o dinheiro. “O autor trabalha a farsa no texto, criando um universo particular que é uma fotografia deturpada do real, tão plausível quanto a lógica que rege o mundo hoje”, explica Tenório, encenador que encenou três espetáculos consecutivos de Alan Ayckbourn e está se tornando um especialista em teatro inglês.
Segundo diz, sua intenção em “Brincando com a Morte” é causar no espectador a sensação de que ele está diante de um pesadelo. “Os fatos absurdos testemunhados em cena são como aqueles que nos acometem no dia a dia e que aceitamos como se fossem normais”, fala.
“Brincando com a Morte” foi composta para a televisão em 1966, no período mais criativo da carreira de Orton. “A peça é esquisita em termos de dramaturgia. Trata-se de um experimento”, diz o diretor.
Sua trama mistura linguagens diversas como farsa, melodrama e pastelão. Tem lacunas que deixam ao espectador a tarefa de preencher os espaços vazios. “É como se a plateia olhasse através do buraco da fechadura e de vez em quando não visse determinadas cenas”, explica Tenório.
Sua principal alteração ocorreu na tradução. Originalmente a obra tem um rebuscamento, de forma a evocar a linguagem eclesiástica. Segundo Tenório, a opção foi tornar a peça mais coloquial.
O diretor considera o texto mais atual e contundente hoje do que quando foi escrito. Confessa não ter economizado no humor escrachado para tecer a crítica de Orton. “Não tive medo do exagero. É tudo muito absurdo”, diz.
Fonte: Folha
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