Na semana passada, a diretora de uma escola de Montargis, nos arredores de Paris, cancelou o encontro anual dos alunos com o Papai Noel. Ela explicou a sua decisão pelo fato de a tradição natalícia violar os princípios da laicidade da formação escolar.
A diretora também referiu as dificuldades financeiras do seu estabelecimento de ensino, mas segundo a mídia local, a decisão foi tomada sob pressão das famílias muçulmanas que acharam que o encontro com o Papai Noel contraria a cultura e a religião dos seus filhos.
Apesar de o prefeito da cidade ter rapidamente interferido nessa situação, proibindo o cancelamento das tradições escolares, isso não evitou um escândalo na imprensa nacional. As discussões acerca da escola de Montargis coincidiram com as discussões sobre as intenções do presidente François Hollande de introduzir no programa obrigatório do ensino primário de aulas de moral laica. O professor Jean-Paul Willaime, especialista em questões de ensino escolar laico e ensino religioso, explicou, na sua entrevista à Voz da Rússia, o que se passa nas escolas francesas e por que razão o personagem dos contos infantis ficou fora da escala de valores laicos.
– Aquilo que aconteceu na escola de Montargis é um caso isolado ou por trás dele existe um problema mais grave?
– Este caso está longe de ser um caso isolado. A decisão da diretora demonstra claramente até que ponto alguns dirigentes e funcionários públicos não entendem o significado do próprio termo laicidade. É evidente que ocorre uma substituição de conceitos que gera a confusão. O Papai Noel faz parte de uma tradição cultural que, evidentemente, está associada ao calendário católico, mas de forma nenhuma é um símbolo religioso, por isso o cancelamento do encontro sob pretexto de ele ofender algumas famílias é uma reação algo desadequada.
– Mas se uma reação desadequada desse tipo é provocada pelo Papai Noel, um personagem não tem nada que ver com a religião, isso não significará que existe uma crise na escola laica?
– Realmente, em tudo o que tem a ver com a diversidade cultural e religiosa, existem dificuldades enfrentadas pelos alunos e seus pais: ser laico é se distanciar de todos os símbolos e tradições culturais. A meu ver, essa é uma definição muito discutível. É que, ao mesmo tempo, em França existem mais igrejas católicas que mesquitas e a história francesa foi moldada sob influência da cultura cristã. A laicidade subentende o respeito pelas tradições históricas, é impossível abstrairmo-nos delas, caso contrário teríamos de destruir todos os templos, igrejas e edifícios urbanos que pudessem ser encarados como uma ameaça à laicidade. Isso já é simplesmente ridículo.
– Considerando o grande pluralismo cultural e religioso da sociedade francesa, poderemos continuar a afirmar que a França é um estado laico, nomeadamente quando falamos da escola?
– A França fez a sua escolha ao aprovar uma lei que proíbe o uso de simbologia religiosa nas escolas públicas. Não foram proibidos só oshijab islâmicos, o que levantou tanta polêmica, mas também os crucifixos grandes ou as kipás judaicas e outros elementos que se destacam. Mas, por lado, os símbolos religiosos discretos não estão proibidos, pois os alunos e seus pais pertencem a diferentes culturas, religiões e filosofias e o desejo de manter a sua identidade não atenta contra os princípios da laicidade. Os alunos são extremamente atentos relativamente à diversidade cultural e religiosa.
Fonte: Voz da Rússia
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