terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O inevitável fardo da escolha

Nossa vida é feita de escolhas. Escolhas que fizeram para nós, e escolhas que nós fizemos e continuamos a fazer, diariamente, de diferentes modos e sobre diferentes instâncias da vida...

“Mas, eu não escolhi nascer”, diz alguém, sempre que precisa culpar outro alguém (no caso, seus pais) por quão miserável é a sua existência. É verdade, essa pessoa (que posso ser eu mesmo ou você) não escolheu nascer – eu já disse, há algumas escolhas às quais nos submetemos sem poder participar nem retrucar, e o nascimento é uma delas. Por conseguinte, pode-se dizer que também não escolhemos nosso sexo (nem o escolheram nossos pais; por mais que preferissem esse ou aquele de antemão, foi uma combinação genética e natural quem “escolheu” por nós), cor, etnia, lugar no qual nascemos, crescemos, nem nossa árvore genealógica, família, classe social, pátria (alguns incluiriam aqui até a opção sexual) e, no princípio, até mesmo o time de futebol e a religião...

Diante disso tudo, a consideração que nos resigna a uma impossibilidade de fazer escolhas iniciais está correta. Mas afinal, onde entra o meu poder de escolha?

No processo de nosso crescimento, desde a infância, pode parecer que não, mas nós fizemos escolhas. Por exemplo, fui eu quem, certa vez, escolheu levar minha irmã bem cedo pra fora de casa, em busca de nossa mãe, enquanto meu pai dormia... uma escolha que resultou em seu atropelamento. Por sua vez, foi ela quem escolheu resoluta a soltar de minha mão e correr independente pela rua até que o carro a atingisse. Por anos, pensei (e me culpei por assim pensar) que tudo foi em função de minha escolha, como irmão mais velho; mas envolveu a dela também... Por mais imaturas, infantis e até inconseqüentes, todos os que têm pulso de vida, inteligência e corpo, desde muito cedo, fazem escolhas, e usam-nos como bem entendem...

Eu posso até não ter escolhido nascer, mas não posso viver minha vida miserável, pra sempre culpando outros por sua miséria. Tenho de me perguntar: e depois de tudo, quem escolheu viver assim? Quem se limitou a esse modo de vida? É preciso coragem para assumir, e carregar seu próprio fardo.

Hoje, quando olho para trás, e vejo tanta coisa que poderia ter dado errado em minha vida simplesmente porque deram errado na vida de outros a meu redor, em função das escolhas que fizeram, percebo que um contorno invisível da graça divina sempre esteve ao meu lado e, mesmo sem que me desse conta, me auxiliou nas escolhas que me fizeram ser quem eu sou hoje. Devo isso às escolhas? Sim, sobretudo às escolhas que levaram Deus e suas palavras de benção em consideração. As erradas também me ajudaram de alguma forma, pelo menos a não errar mais do mesmo jeito...

O texto de Deuteronômio 30.15-20 é um bom exemplo desse exercício de liberdade de escolha que inerente e que desafia a cada pessoa: “Vê que proponho, hoje, a vida e o bem, a morte e o mal... os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a benção e a maldição”. Deus expõe diante de seu povo a possibilidade de escolha, todos os dias, por uma dessas realidades. A vida e a morte, segundo esse texto, são potencialidades inerentes às decisões que fazemos todos os dias, das perguntas que tocam nossa autoconsciência ética e espiritual: com esse ato, estou optando pela vida ou pela morte? Estou matando ou dando vida? Destruindo ou construindo? Pintando ou borrando o quadro?

Deus é bastante claro sobre quais são as suas preferências. Ele prefere que optemos por seguir seus caminhos, ouvir à sua voz, dar atenção à sua Palavra, porque estes são meios de vida e não de morte, de benção e não de maldição. E a dica que o próprio texto dá é, obviamente, um sinal ofertado pelo “Deus da vida”: “escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Dt 31.19).

Escolher a vida nem sempre é o caminho mais fácil, nem o mais prazeroso; muitas vezes, é o mais custoso e árduo caminho, que envolve renúncia, fé, entrega, disposição para o aprendizado e "otras cositas mas"... E quem foi que disse que seria um “mar de rosas”? Escolhe a vida para que vivas! E hoje, o que vai ser?



Fonte:  Jonathan Menezes em Escrever é Transgredir
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