terça-feira, 23 de abril de 2013

O ser e o ter

“Acautelai-vos da avareza, porque a vida de cada um, não consiste na abundância do que possui”. (Lc 12; 15 ) “Se alguém está em Cristo nova criatura é…” ( I Cor 5; 17)

Em momento algum a Palavra de Deus coloca o ter, a circunstância favorável, como credencial espiritual de alguém; até porque, esse, diz respeito a coisas, e somente o ser, a pessoas. Quantos corruptos, ladrões e assassinos deste mundo possuem grandes riquezas!

Acreditar, pois, que a aquisição de bens, a chamada independência financeira seja a meta da vida, isso o mundo já faz, sem o auxílio da Bíblia. Além disso ela, se interpretada corretamente, não auxilia em nada nessa direção. Então, tentar harmonizar as cobiças mundanas com a Palavra de Deus é cruzar pombo com jacaré, uma vez que nem o mundo é bíblico, nem a Bíblia é mundana.

O problema básico subjacente ao utilitarismo do ter é a busca egoísta do prazer sensível, particular; o qual enseja a perversão do ser, segundo Deus.

O homem espiritual também gosta de sentir prazer, só que bebe em outra fonte: “O reino de Deus não é comida nem bebida, (do ter), mas justiça e paz, e alegria no Espírito Santo”. (do ser) Rm 14; 17

As bem aventuranças contidas no sermão do monte, aliás, chamam ditoso, feliz, ao que é alguma coisa, não ao que tem; “Bem aventurados os pobres de espírito… os mansos… os misericordiosos… os limpos de coração”. Mt Cap 5

Se a realização e a felicidade morassem no prédio do ter, não veríamos tantos suicídios de pessoas ricas, divórcios, dependência química, etc. Segundo os obreiros da moda, os que são de Deus, têm que ter; de acordo com a bíblia, porém, os que Deus recebe, mudam o ser: “Se alguém está em Cristo, nova criatura é”.

Sempre que surge um conflito filosófico, alguma coisa precisa ser mudada, se é que se quer superar o impasse. Como as almas viciadas no sensual não se dispõem a mudar, lançam mão da Palavra de Deus e pervertem-na, transpondo assim o conflito, e permanecendo “bíblicos”.

No entanto, seria mais honesta uma postura de indiferença, ou até mesmo desprezo, que esse casamento espúrio.

O conhecer a verdade para ser liberto, transcende em muito a um aquiescer intelectual; (embora nem isso consigam) é, antes, um comprometimento moral que transforma o homem; o qual abdica da pretensão de ser uma fonte de conhecimento, para ser apenas um canal, por onde flui o conhecimento de Deus.

A exposição da verdade acaba sendo, enfim, uma pedra de toque onde se prova a natureza das almas; a que é pura de intenções, se deixa instruir e é liberta; a que é vaidosa, presunçosa, rejeita o conselho e se irrita; mas, somente a que está totalmente pervertida pelo Diabo, ousa alterar o que Deus disse, para precisar mudar o que “ela” pensa.

O aparente paradoxo do ensino do Senhor, é que, embora nos capacite a suportar grandes fardos, não tenciona que cheguemos ante Ele com imensas bagagens, apenas, com as mãos limpas. A capacidade de suportar, portanto, visa restringir a sedução do ter, e não, alterar a meta do ser.

Na estrada do ser, nem sempre há conforto, muitas vezes se anda a pé; nem sempre há calçados, então, ferem espinhos; mas, se Cristo está gerado em nós, nossas respostas serão coerentes, senão, ao menos reveladoras.

Não falo, entretanto, de pobreza voluntária, privando-se fanaticamente de recursos que estejam ao dispor; antes, de olhar com prudência para a aquisição desenfreada de posses, e com desejo ardente para crescer nas virtudes de Cristo.

Há uma certa insanidade, nessa louca corrida do “progresso” tecnológico, onde um pouco de cautela é salutar; tal, assemelha-se a um carro projetado por um engenheiro invisível, com a meta de ser acelerado na auto-estrada do ter; enquanto as placas do ser, passam rápidas pela janela sem tempo de serem identificadas.

E, os motoristas que foram moldados para conviver, auto destroem-se a competir.

Em suma, correr afoitamente em busca de riquezas terrenas é pilotar com destreza, o fórmula um do inimigo, sem perceber que a pista é circular, e por mais que se corra na ilusão de estar vencendo, não se vai a lugar algum; tornando-se apenas um outdoor ambulante, a propagar interesses alheios, pondo em risco a própria vida.



Fonte: Leonel Santos em O Farol
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