Vale-tudo não tem nada a ver com "raiva", garante o padre lutador. Paróquia de Nelídovo também é famosa pelas missas conduzidas por odontologista, maratonista e metaleiro.
Uma guarda simpática abre a igreja de Nelídovo por volta das sete da manhã e uma hora depois começam a chegar os primeiros paroquianos e sacerdotes. A cidade tem cerca de 20 mil habitantes e apenas um único tempo. Mesmo assim, uma dezena de fiéis, no máximo, ocupa os bancos vagos do templo na manhã de sexta-feira para assistir à missa. Os sacerdotes locais justificam a falta de paroquianos por se tratar de um dia útil e garantem que a igreja fica superlotada aos domingos e feriados.
A celebração tem início com dois padres e o terceiro chega meia hora mais tarde. Seu nome é Serguêi Akimov, um ex-lutador de vale-tudo. De olhos castanhos e ombros largos, Akimov não parece padre, apesar da tradicional veste. Tem um ar sério ou até mesmo um pouco sombrio. Segundo ele, o sacerdotismo aconteceu acidentalmente.
Na infância, acreditava em Deus, como muitas crianças, e foi ficando cada vez mais supersticioso. Ao perceber que suas superstições estavam tomando um lugar demasiadamente grande em sua vida, Akimov decidiu não acreditar mais em nada para ser livre.
Porém, algum tempo depois, conheceu um padre na casa de seus amigos, com quem teve uma longa conversa sobre Deus. Daquele momento em diante, Akimov passou a frequentar a igreja e a ajudar na missa: primeiro como leitor, depois como diácono, até chegar à posição oficial de padre.
O que chama atenção, contudo, é fato de Akimov ser um ex-lutador de de vale-tudo. Quando decidiu se dedicar à vida religiosa, sua primeira atitude foi abandonar o esporte para se concentrar em seu aprimoramento espiritual. No entanto, o reitor da igreja local lhe disse que não deixasse as lutas de lado embora não aprovasse sua participação em combates. “Ele me aconselhou a treinar crianças e proibiu que eu lutasse”, relembra Akimov.
Os pupilos do padre já participavam de diversas competições e até conquistaram prêmios durante o período em que Akimov permaneceu longe dos ringues. Até que, em 2007, levou sua equipe à cidade de Tver, a 160 km a noroeste de Moscou, para assistir aos combates de vale-tudo. Na ocasião, o padrão acabou participando do torneio e venceu. “Eu não tinha prática, mas treinava constantemente”, conta Akimov.
Para ele, o vale-tudo não quer dizer violência, dinheiro ou vaidade. “O vale-tudo é uma arte e a capacidade de pensar, aplicar combinações de golpes sofisticadas e escapar dos ataques. Trata-se de uma competição entre dois cérebros e duas forças físicas. O vencedor será aquele que for mais inteligente e esperto, e não o que estiver com mais raiva”, garante o padre.
Missa eclética
Durante a breve conversa, Akimov contou também que a paróquia local conta com outros sacerdotes um tanto inusitados: um dentista, um maratonista e um diácono metaleiro que interpreta deathcore ortodoxo.
O odontologista Serguêi Malichev é um rapaz alto, de cabelo curto e gestos rápidos. Está sempre com pressa e anda rápido como se estivesse sempre atrasado, embora seja sorridente e muito brincalhão. Se não fosse a batina, poderia ser tornado professor universitário. Seu turno é dividido ao meio: de manhã fica na igreja, e à tarde em seu consultório para complementar a renda. “Não poderia abandonar definitivamente a odontologia”, afirma Malichev.
Já o diácono Aleksandr Kolossov é o clérigo mais jovem da paróquia. Nos tempos livres, compõe música e versos. Embora sua aparência esteja completamente de acordo com a de um clérigo tradicional – um pouco rechonchudo e barba –,as laterais da cabeça raspadas denunciam o espírito rebelde. É impossível entender o que sua banda canta durante os ensaios, mas Kolossov garante que é música ortodoxa. “A letra de um delas conta a história da queda de um homem e sua firme determinação para renascer em uma nova criatura pura”, comenta. “Com a ajuda de Deus, naturalmente”, finaliza.
Fonte: Gazeta Russa
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