Patrick, da Aliança Bíblica: "Para mim, ser progressista é não ter uma relação de submissão incondicional com a figura do pastor ou do líder religioso"
Eles são evangélicos, frequentam os cultos, leem a Bíblia e lutam para defender suas opiniões pessoais – mesmo que elas distoem do que pensa a maioria de seus irmãos em fé. Patrick, Morgana e Elias são considerados evangélicos progressistas, que se declaram contra a violência aos homossexuais, pregam a igualdade de direitos entre homens e mulheres e adotam uma postura mais questionadora sobre temas polêmicos, não sem enfrentar preconceitos dentro e fora do grupo ao qual pertencem. “Infelizmente, a sociedade vê o evangélico como conservador, limitado intelectualmente e manipulável. Mas esta não é uma imagem totalmente verdadeira”, afirma o comentarista esportivo Elias Aredes Junior, evangélico praticante.
A comunidade evangélica no Brasil conta com mais de 42 milhões de pessoas, de acordo com dados do IBGE. O crescimento do número de fiéis é expressivo – eram 15,4% da população no ano 2000 e chegaram a 22,2%, em 2010.
Embora estejam todos “enquadrados” no mesmo grupo, há denominações bastante distintas. Os ensinamentos são diferentes em uma igreja da corrente histórica, como a Batista ou a Metodista, em comparação a uma pentecostal, à qual pertence a Assembleia de Deus, por exemplo, ou a uma neopentecostal, como a Igreja Universal do Reino de Deus.
Com doutrinas tão diferentes, alguns evangélicos buscam comunidades mais abertas a questionamentos e também participam de movimentos progressistas, para defender interpretações e pontos de vista nem sempre aceitos nos cultos. Conheça a história de três jovens cristãos que se incluem neste grupo.
Para Patrick, a polarização "evangélicos versus gays" precisa ser superada
Abaixo a submissão incondicional
Abaixo a submissão incondicional
Formado em ciências sociais, Patrick Timmer, 27 anos, trabalha como secretário-geral na Aliança Bíblica Universitária do Brasil, em São Paulo. De família evangélica, é membro da igreja Comunidade de Jesus, e se considera um “progressista”. “O termo progressista pode significar muita coisa. Para mim, é não ter uma relação de submissão incondicional com a figura do pastor ou do líder religioso”, define.
Para Patrick, tudo o que é ouvido no culto precisa “passar pelo crivo das escrituras e ganhar uma interpretação coerente”. Ele acredita que todo evangélico deve ter uma postura crítica e saber buscar respaldo na própria Bíblia. “É preciso analisar o contexto, procurar literaturas de apoio, conversar com outras pessoas. O diálogo e o debate sempre ajudam na construção de uma democracia saudável”, afirma.
Ele explica que, em muitos casos, trechos da Bíblia são usados para justificar atos de opressão ou abuso, especialmente contra as mulheres. “Certas leituras podem levar a uma interpretação equivocada de superioridade de gênero. Mas a submissão para justificar a violência não tem base bíblica”, defende Patrick.
Sobre o homossexualismo, comumente alvo de críticas de líderes religiosos e dos políticos da bancada evangélica, Patrick diz que é preciso mudar esta polarização de “evangélicos versus gays”. Para ele, violência e intolerância são inaceitáveis, sejam por racismo, machismo, xenofobia ou homofobia.
Morgana é secretária-executiva da rede Fale, união de grupos evangélicos que promove a justiça social
A favor de um Estado laico
A missionária Morgana Boostel, 26 anos, também se considera uma evangélica progressista. Ela é secretária-executiva da Rede Fale, uma organização internacional ligada a várias congregações evangélicas, que atua em campanhas contra injustiças sociais. Em março deste ano, a Rede publicou uma carta aberta, assinada por 173 pastores e líderes evangélicos, se posicionando contra a permanência de Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Dezenas de comentários na própria página da rede rechaçaram a opinião dos pastores.
“Todos devem ter os direitos garantidos, independentemente da sua história ou trajetória familiar”, defende.
Evangélica desde criança, ela já frequentou a igreja Batista e hoje é membro da Comunidade Anglicana Neemias, na cidade de Vitória (ES). Morgana defende fervorosamente a liberdade de crença e se mostra contrária à intervenção da Igreja em ações do governo. “Estado laico não é a ausência de elementos de fé, mas a possibilidade de expressá-la da forma que cada um considere importante”.
Para ela, assim como a opção religiosa, todas as escolhas devem ser respeitadas. Cada um é responsável por decidir o que achar melhor para a própria vida, até mesmo quando se trata de questões sexuais. “É inadmissível qualquer tipo de violência contra homossexuais. Isso inclui o preconceito, pois [o preconceito] incita a violência”.
Elias, comentarista esportivo, é ligado a movimentos progressistas desde a adolescência
Em defesa da diversidade
O comentarista esportivo Elias Aredes Junior, 40 anos, sempre foi de família evangélica. Ainda adolescente, aprendeu com os tios a questionar os valores pregados nas igrejas que sempre frequentou. “Comecei a despertar para temas de justiça social e igualdade, o que me levou a participar ativamente de movimentos estudantis”, conta ele, que hoje também frequenta reuniões e encontros do Movimento Evangélico Progressista.
Elias, que faz parte de uma igreja na cidade de Campinas (SP), considera boa parte da comunidade evangélica bastante conservadora. “Muitas vezes, a igreja não consegue lidar com este cenário multifacetado. E isso não é bom porque não contempla a diversidade. Quem não estiver dentro de um modelo preestabelecido fica de fora”, diz.
Ele cita um exemplo que ouviu de um pastor em outra denominação religiosa, que frequentava anteriormente. Durante um culto, o líder disse que, ao ver uma passeata gay, teve vontade de jogar o carro contra a multidão. “Achei aquilo horrível. Posso não concordar com a conduta gay, mas o Estado tem a obrigação de assegurar-lhes todos os direitos, inclusive o de manifestação”, opina.
Para Elias, o problema de lidar com a diversidade vai além da questão gay, incluindo também as novas formações familiares. “Vi vários casos de preconceito contra mães solteiras. Então, quando uma mulher é solteira ou separada, ela não pode ser considerada família pela igreja?”, questiona.
Para mudar este cenário e promover a inclusão, Elias acredita que cabe aos próprios evangélicos lutar pelo que acreditam e “adotar” líderes e representantes que estejam mais de acordo com o perfil de cada um. “O pastor da igreja que frequento é aberto ao diálogo e respeita o que eu penso. Uma nobre e gratíssima exceção neste cinturão ditatorial existente na comunidade evangélica brasileira”, afirma.
Fonte: Delas IG
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