Tenho hoje o prazer de falar por uma hora três dias na semana para uma audiência invisível. Eu explico. Falar em um programa de rádio provoca esta sensação. Acostumado com os olhares atentos, nem de todos eu confesso, e as expressões de aceitação ou não do que comunico na igreja onde eu sou pastor há nove anos, é muito diferente estar em um estúdio pequeno diante apenas de um microfone. Do outro lado, no entanto, um bom número de ouvintes tornam-se meus interlocutores.
Minha surpresa repousa no fato de que meus silenciosos ouvintes se tornam extremamente participativos, para não dizer agitados ou agressivos, quando faço uma reflexão ou respondo a uma pergunta que, ao invés de alimentar uma posição convencional e normalmente confortável, os provoca a pensar e pesar se suas convicções se encontram alinhadas com a palavra de Deus.
Sinto que pensar tem se tornado algo indesejado e desprezado por um número cada vez maior de evangélicos. É mais fácil e cômodo seguir a massa, acompanhar o fluxo, seguir a corrente, fazer sem questionar. Por que o desprezo ao diálogo e à discussão é tão forte em nossos dias nos círculos cristãos? Por que entender que toda dúvida “vem do maligno” quando a própria Palavra nos informa que o conhecimento da verdade nos liberta? Não seria então lógico dizer que o processo de libertação passa inclusive pela dúvida e pelo questionamento? Por que a dúvida e o questionamento tem desembocado em um processo de marginalização, exclusão e ódio?
Mais pasmo ainda eu me sinto quando recordo que no livro de Atos dos Apóstolos, mediante uma pergunta que ia de encontro ao então pensamento religioso predominante, em que houve um derramar profuso e intenso do Espírito de Deus que salvou quase três mil homens (At 3.41). Ou quando lembro da dúvida de um monge, que era também professor da Universidade de Wittenberg (Martinho Lutero, 1483-1546), sobre a teologia, postura e prática da Igreja de Roma, que desencadeou um movimento que mudou o curso da história do Cristianismo. E que os seguidores deste movimento teriam como lema a frase “Ecclesia reformata, semper reformanda”: Igreja reformada, sempre reformando.
Percebi então que muitos líderes têm segregado a igreja em uma tentativa de manter seus tronos intocáveis e suas idéias e práticas inquestionáveis. Aliás a melhor técnica de controle é a alienação. Usam frases que causam medo, acusam de rebeldes todos os que ousam perguntar, e logo colocam sob maldição qualquer um que se levante contra o “ungido de Deus”. Transformam a Igreja de Jesus, que deveria ser lugar de vida, em um lugar de medo, gerando uma comunidade que não desenvolve e nem aprecia a arte do diálogo.
Onde estaríamos hoje se alguns, que pagaram um preço muito alto, não tivessem desafiado o posicionamento institucional de certos líderes e tivessem desistido de pensar. Galileu Galilei, cientista italiano, que ao vislumbrar pelo seu telescópio que havia luas ao redor de Júpiter questionou o posicionamento Aristotélico da Igreja Romana quanto a centralidade da terra e por isso foi condenado por heresia a uma vida de cárcere doméstico. Ou John Wesley, que questionou a idéia de que o único lugar apropriado para a pregação fosse o púlpito das igrejas. E ainda o Reverendo Martin Luther King, que questionou a posição, inclusive da Igreja, de que a cor da pele deveria separar as pessoas da comunhão e da convivência.
Quando impossibilitamos o pensar e o questionamento em nossas comunidades religiosas, cometemos pelo menos dois erros. Primeiro, ferimos e marginalizamos os que ousam pensar e questionar, pois eles representam uma ameaça ao “status quo” predominante. Segundo, a comunidade perde a possibilidade de renovação e crescimento. O resultado final de um processo de diálogo inteligente, seja pela reconsideração ou reafirmação das idéias, produz crescimento e fortalecimento do grupo.
Portanto aqui vai uma sugestão: estimule o conhecimento e o crescimento intelectual em sua comunidade. Desenvolva um ambiente seguro para que as pessoas possam expressar suas dúvidas. Ouça com atenção e tente compreender seus questionamentos, posicionamentos e idéias. Você não precisa concordar com elas, mas dê espaço para que as pessoas possam se expressar de forma segura e sem retaliação. Retire o medo do coração dos que se sentem amedrontados por simplesmente não entenderem.
Se agirmos assim, estaremos seguindo o modelo do nosso Senhor Jesus Cristo, que não impedia que as pessoas fizessem perguntas difíceis, que não desprezou o duvidoso Tomé ou fez calar a mulher Samaritana que questionava o local da adoração. Se agirmos de outra maneira, corremos o risco de fazer exatamente o que fizeram com um carpinteiro de Nazaré que ousou questionar a postura hipócrita e autoritária da religiosidade do primeiro século.
• Manoel Oliveira é pastor presbiteriano ligado à P.C.A. Plantou e pastoreia desde 1999 a Comunidade Presbiteriana Nova Vida em Framingham, Massachussets, nos Estados Unidos. É casado com Ana Célia e pai de Sarah e Pedro.
Fonte: Ultimato
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Minha surpresa repousa no fato de que meus silenciosos ouvintes se tornam extremamente participativos, para não dizer agitados ou agressivos, quando faço uma reflexão ou respondo a uma pergunta que, ao invés de alimentar uma posição convencional e normalmente confortável, os provoca a pensar e pesar se suas convicções se encontram alinhadas com a palavra de Deus.
Sinto que pensar tem se tornado algo indesejado e desprezado por um número cada vez maior de evangélicos. É mais fácil e cômodo seguir a massa, acompanhar o fluxo, seguir a corrente, fazer sem questionar. Por que o desprezo ao diálogo e à discussão é tão forte em nossos dias nos círculos cristãos? Por que entender que toda dúvida “vem do maligno” quando a própria Palavra nos informa que o conhecimento da verdade nos liberta? Não seria então lógico dizer que o processo de libertação passa inclusive pela dúvida e pelo questionamento? Por que a dúvida e o questionamento tem desembocado em um processo de marginalização, exclusão e ódio?
Mais pasmo ainda eu me sinto quando recordo que no livro de Atos dos Apóstolos, mediante uma pergunta que ia de encontro ao então pensamento religioso predominante, em que houve um derramar profuso e intenso do Espírito de Deus que salvou quase três mil homens (At 3.41). Ou quando lembro da dúvida de um monge, que era também professor da Universidade de Wittenberg (Martinho Lutero, 1483-1546), sobre a teologia, postura e prática da Igreja de Roma, que desencadeou um movimento que mudou o curso da história do Cristianismo. E que os seguidores deste movimento teriam como lema a frase “Ecclesia reformata, semper reformanda”: Igreja reformada, sempre reformando.
Percebi então que muitos líderes têm segregado a igreja em uma tentativa de manter seus tronos intocáveis e suas idéias e práticas inquestionáveis. Aliás a melhor técnica de controle é a alienação. Usam frases que causam medo, acusam de rebeldes todos os que ousam perguntar, e logo colocam sob maldição qualquer um que se levante contra o “ungido de Deus”. Transformam a Igreja de Jesus, que deveria ser lugar de vida, em um lugar de medo, gerando uma comunidade que não desenvolve e nem aprecia a arte do diálogo.
Onde estaríamos hoje se alguns, que pagaram um preço muito alto, não tivessem desafiado o posicionamento institucional de certos líderes e tivessem desistido de pensar. Galileu Galilei, cientista italiano, que ao vislumbrar pelo seu telescópio que havia luas ao redor de Júpiter questionou o posicionamento Aristotélico da Igreja Romana quanto a centralidade da terra e por isso foi condenado por heresia a uma vida de cárcere doméstico. Ou John Wesley, que questionou a idéia de que o único lugar apropriado para a pregação fosse o púlpito das igrejas. E ainda o Reverendo Martin Luther King, que questionou a posição, inclusive da Igreja, de que a cor da pele deveria separar as pessoas da comunhão e da convivência.
Quando impossibilitamos o pensar e o questionamento em nossas comunidades religiosas, cometemos pelo menos dois erros. Primeiro, ferimos e marginalizamos os que ousam pensar e questionar, pois eles representam uma ameaça ao “status quo” predominante. Segundo, a comunidade perde a possibilidade de renovação e crescimento. O resultado final de um processo de diálogo inteligente, seja pela reconsideração ou reafirmação das idéias, produz crescimento e fortalecimento do grupo.
Portanto aqui vai uma sugestão: estimule o conhecimento e o crescimento intelectual em sua comunidade. Desenvolva um ambiente seguro para que as pessoas possam expressar suas dúvidas. Ouça com atenção e tente compreender seus questionamentos, posicionamentos e idéias. Você não precisa concordar com elas, mas dê espaço para que as pessoas possam se expressar de forma segura e sem retaliação. Retire o medo do coração dos que se sentem amedrontados por simplesmente não entenderem.
Se agirmos assim, estaremos seguindo o modelo do nosso Senhor Jesus Cristo, que não impedia que as pessoas fizessem perguntas difíceis, que não desprezou o duvidoso Tomé ou fez calar a mulher Samaritana que questionava o local da adoração. Se agirmos de outra maneira, corremos o risco de fazer exatamente o que fizeram com um carpinteiro de Nazaré que ousou questionar a postura hipócrita e autoritária da religiosidade do primeiro século.
• Manoel Oliveira é pastor presbiteriano ligado à P.C.A. Plantou e pastoreia desde 1999 a Comunidade Presbiteriana Nova Vida em Framingham, Massachussets, nos Estados Unidos. É casado com Ana Célia e pai de Sarah e Pedro.
Fonte: Ultimato
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