terça-feira, 1 de março de 2011

Sociedade brasileira pouco sabe sobre literatura cristã

A procura por livros cristãos reflete a expansão do movimento protestante, que atualmente conta com cerca de 30 milhões de adeptos no Brasil. Nas denominações protestantes, os líderes eclesiásticos enfatizam a importância da leitura diária da Bíblia. Esta orientação estimula não apenas a comercialização da Bíblia em si, como incentiva também a alfabetização e a leitura de outros livros cristãos.

A sociedade brasileira pouco sabe sobre este setor editorial específico e des-conhece as centenas de títulos lançados e os milhões de exemplares vendidos a todo o ano. É como se ele não existisse. Ao contrário das casas publicadoras do mercado geral, as editoras cristãs não contam com vendas para o governo. Seus livros raramente são resenhados na mídia. Os poucos títulos estocados pelas livrarias quase sempre são emprateleirados indevidamente, como se apenas os "religiosos" se interessassem por eles. As obras não são estudadas nas universidades públicas nem recebem incentivo fiscal para a produção.

No entanto, apesar dessa rejeição velada, poucas editoras desse setor reivindicam participação mais ampla da vida literária/cultural do País, pois relutam em dispender a energia necessária para enfrentar o preconceito contra os "religiosos". Outrossim, seus dirigentes sabem que - se bem administradas - as editoras conseguem sobreviver apenas suprindo a demanda natural que provém das igrejas e do público cristão. Ao longo dos anos, formou-se um universo setorial de sustentação editorial, uma dimensão paralela que inclui a publicação de obras cristãs de múltiplos gêneros, produção editorial de altíssimo nível, preparação de texto equivalente ao que melhor existe no País, concentração em divulgação e assessoria de imprensa voltado ao mundo cristão, feiras de negócios próprias, profissionalização e treinamento de pessoal nas melhores instituições, listas próprias de bestsellers, um órgão de imprensa voltado ao setor (revista Consumidor Cristão) e até um sistema próprio de reconhecimento de excelência: o Prêmio ABEC.

Por desconhecer as nuanças do mundo cristão, a maioria dos críticos do mercado geral mal sabe avaliar as suas obras. Para eles, reconhecer valor numa obra de cunho religioso significa distinguir nela elementos de interesse distintos aos seus propósitos "religiosos" ou deferir-se ao contexto ideológico de escritores e leitores no qual foi criada a obra, descobrindo nele critérios inerentes e sui generis de diferenciação crítica. Por via das dúvidas, esses críticos costumeiramente optam pelo caminho da prescindibilidade; fazem de conta que os livros não existem.

No entanto, esta ignorância intencional faz com que inúmeros livros cristãos de mérito transcultural - de interesse potencial para um universo amplo de leitores - sejam efetivamente descartados do cânone crítico. Além do desprezo da crítica, há também outros indícios de discriminação contra livros religiosos. O sucesso inesperado no mercado geral de alguns desses livros levou o New York Times a criar uma lista alternativa de bestsellers; além das categorias tradicionais de ficção e não-ficção, incluem agora uma categoria que se chama Advice ("Conselho"). A revista Veja seguiu o exemplo: criou uma lista de livros mais vendidos denominada "Auto-Ajuda e Esoterismo", evidentemente para assim diferenciá-los dos livros "sérios".

Conforme a pesquisa "Retrato do Livro no Brasil" (2000; CBL, Abrelivros, SNEL), no momento da sondagem cerca de 38% da população leitora do Brasil estava lendo algum livro religioso. Trata-se de um universo grande demais para ser ignorado pelos "leiturólogos" (neologismo criado por Felipe Lindoso no texto que fundamenta o presente seminário). Para aproximar o setor editorial religioso do mainstream nacional, um possível próximo passo seria a inclusão intencional dos "melhores" desses livros religiosos nos cânones mais abrangentes. A avaliação dessas obras poderia ser empreendida por críticos literários e/ou outros agentes de articulação cultural que tenham plena consciência das preferências do público leitor e, ao mesmo tempo, sensibilidade para reconhecer excelência e pertinência, onde quer que elas se encontrem.


Fonte: Mark Carpenter presidente da Editora Mundo Cristão
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