sábado, 11 de dezembro de 2010

Milagre, desespero ou santa imaginação

Já faz alguns anos um conhecido meu contou um episódio que aconteceu num bairro próximo onde ele morava. Uma árvore, numa determinada hora do dia, jorrava um veio d'água. As pessoas moravam naquela localidade começaram a propagar que era um milagre. Logo uma romaria se dirigia para a "árvore que chorava". Diziam ser um sinal do céu. Pessoas se aglomeravam para rezar diante da "árvore milagrosa".

A romaria teria aumentado se não fosse descoberta a origem de tal "milagre". Qual não foi a surpresa de todos ao tomarem conhecimento de que a água que jorrava através do tronco era proveniente de um vazamento do cano que abastecia o bairro e que passava por baixo daquela árvore. Então, quando a certa hora do dia se ligava a chave geral que fornecia a água, uma parte desta sob pressão saía pelo vazamento entrando pela primeira brecha que encontrou. A ilusão dos fiéis durou pouco. Muitas destas histórias têm por aí.

A imagem da santa que chorava e as pessoas acreditavam que era um milagre até que se descobriu que a umidade do local onde ficava a imagem, ocasionada por uma infiltração de água, era causa do "milagre". E o que dizer da imagem da santa que chorava sangue. Um dia descobriram que a zeladora da igreja colocava sangue nos olhos da imagem. Agora, estamos vendo através dos noticiários, uma romaria se concentrando na frente de uma casa para rezar, fazer promessas diante de uma mancha que apareceu na vidraça de uma janela. Aquelas pessoas acreditam ser a imagem de uma santa.

Assisti algumas reportagens na TV e fiquei espantado com a crendice popular. Parece que estamos retornando a Idade Média quando o povo era explorado e enganado pelas aparições de falsos milagres e vendas de relíquias supostamente sagradas. Dizem até que se juntassem os pedacinhos de madeira que foram vendidos como se fossem da cruz de Cristo, teríamos uma imensa floresta.

Recentemente, cerca de quarenta mil pessoas se aglomeravam na frente de uma janela fazendo preces e promessas (alguns até dizendo receber uma mensagem) a uma mancha. E o pior é que muitas dessas manchas têm se espalhado pelo país. Basta alguem olhar para uma mancha numa vidraça e já começa a ver uma imagem do sobrenatural. A crendice é tão forte que não adianta se dizer o contrário. Mesmo que cientistas, teólogos, especialistas em vidros e outros digam que não tem nada haver com sinal do céu, as pessoas continuam crendo.

Como diz o reverendo Cânon William V. Rauscher "a necessidade de acreditar em falsos milagres às vezes ultrapassa não só a lógica mas, aparentemente, até a sanidade mental." Poderíamos ponderar sobre várias razões que podem levar as pessoas a uma credulidade sem fundamento. Mas, porque nosso objetivo aqui não é fazer um tratado sobre o assunto, citaremos apenas duas possíveis razões.

A primeira é a necessidade do povo de se agarrar a algo que possa dar esperança diante de uma situação de desespero, insegurança e fragilidade. E não é de admirar que o povo brasileiro está enfrentando uma situação assim. Risco Brasil, alta do dólar, violência, aumento do desemprego só para citar algumas. Ora, todas estas coisas apontam para um futuro sombrio, gerando incertezas e desesperança. Isto leva as pessoas a se agarrarem a um falso milagre como se fosse verdadeiramente um sinal do céu.

A segunda razão é o que se chama de "síndrome do crente", uma expressão cunhada por M. Lamar Keene "para descrever o comportamento de pessoas que continuam a acreditar numa farsa mesmo após esta ter sido claramente desmascarada. O termo vem da comparação da crença em coisas improváveis, para as quais faltam provas, ou mesmo abundam provas em contrário, mas em que a pessoa quer ou precisa acreditar, a uma fé quase religiosa." Keene fala de experiência própria, pois ele foi um falso paranormal que se regenerou, e expôs as suas falcatruas.

Este "distúrbio cognitivo" pode estar levando milhares de pessoas a acreditarem que manchas em vidraça é um sinal de Deus, mesmo sendo provado o contrário. Vejamos só um exemplo. Num hospital em Recife apareceu uma mancha dessas na vidraça de uma enfermaria. Logo se espalhou a notícia de que a imagem de uma santa havia aparecido. Então, uma funcionária daquele hospital explicou que aquela imagem fora causada por umas figuras colocadas ali para alegrar o ambiente na época de Natal. Devido ao tempo em que estiveram expostas ao calor do sol, as formas de algumas figuras ficaram como uma impressão. Mesmo depois desta explicação vir a público, muita gente continuou crendo que era um milagre.

Aqui fica evidenciado a "síndrome do crente". Muitos estudiosos podem dar melhores explicações do que eu. Sou apenas pastor evangélico e como tal creio em milagres operados por Deus. Porém, as palavras que ora escrevo são apenas de alerta para julgarmos bem todas as coisas, a luz de provas incontestáveis, para não sermos levados por qualquer "sinal" que apareça no mundo acreditando ser de origem divina. Tão pouco estou criticando as pessoas que assim procedem, pois há fortes razões por trás deste comportamento.


Fonte: Site do Pr. Belarmino
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