PREJUÍZO: Há 19 anos nos EUA, Fausto Rocha está à beira de perder a casa comprada em 2001: a dívida de US$ 400 mil é 20% maior do que o valor do imóvel
No ano passado, o técnico em manutenção José Oliveira, 40 anos, mandou fotos da nova casa que havia comprado em Boston, Massachusetts, para amigos e parentes de Mantenópolis, no Espírito Santo. Impressionou todos com o imóvel de dois andares, sala ampla, três quartos, dois banheiros e lavabo. Depois de 15 anos nos Estados Unidos e o cobiçado green card (cartão de residente) para toda a família, a casa própria completava o sonho americano. O que parecia o final feliz de uma história revelou-se o início de um pesadelo. Oliveira não conseguiu pagar o financiamento, endividou-se no cartão de crédito e decidiu mandar a mulher e as filhas de volta para o Brasil no mês que vem. “O que eu ganhei em 15 anos de América perdi em um ano e meio”, lamenta Oliveira. “Minha casa vale US$ 100 mil a menos do que eu paguei”, diz ele, que pretende continuar lutando sozinho para recuperar o dinheiro perdido.
Oliveira vai entregar a casa aos credores, vender o carro e dividir um apartamento com outros cinco brasileiros. Ele fez o financiamento imobiliário conhecido como subprime. Este tipo de empréstimo aceita clientes com perfil arriscado, que já tiveram o nome sujo, não têm salários regulares, ou que ainda estão há pouco tempo nos EUA. Para compensar o maior risco, o banco cobra juros mais altos ou taxas variáveis, que começam baixas e podem terminar muito altas. Assim, Oliveira viu sua prestação passar de US$ 1,3 mil para US$ 2,5 mil. Por ter documentos em dia, acredita que ainda consegue trabalho. “Depois de dar duro por tanto tempo, estou sem nada. Tenho até vergonha da nossa situação”, admite.
A crise imobiliária americana e a desvalorização do dólar atingiram em cheio os brasileiros que vivem nos Estados Unidos. Em Framingham, Massachusetts, moram 12 mil brasileiros ilegais e mais de 50% do comércio do centro da cidade é direcionado a este público. Desde o começo de 2007, as lojas estão às moscas. “A situação é grave. Fizemos uma reunião de emergência para decidir que providências tomar para salvar o comércio em Framingham”, diz o americano John Steacie, presidente da associação de comerciantes. “Há 20 anos, não tínhamos nada aqui e agora corremos o risco de voltar à estaca zero. Dezenas de brasileiros estão indo embora toda semana. Estamos fazendo campanha para que os comerciantes brasileiros comecem a trabalhar em inglês para atrair clientes americanos e evitar a falência.”
Foi em Framingham que a mineira Aparecida dos Santos, 27 anos, conseguiu juntar US$ 50 mil em três anos de trabalho sem descanso como faxineira, balconista e pintora de parede. Ela chegou aos Estados Unidos em 2004 atravessando, clandestinamente, a fronteira com o México. Presa na travessia, amargou dois meses na prisão no Texas. Colocada em liberdade até o julgamento, fugiu para Massachusetts. Em março passado, comprou uma casa por US$ 250 mil em Newark. Deu as economias e financiou o restante em 30 anos. A crise imobiliária a atingiu em cheio. A prestação mensal pulou de US$ 1.800 para US$ 2.400, hoje o imóvel não vale mais de US$ 180 mil e a dívida dela está em US$ 214 mil. “Depois de tanto sofrimento que passei, juro, pensei até em pular da ponte. O prejuízo é certo, mas vou sair dessa”, diz ela.
UNIÃO: Ruth não volta por causa do marido americano
Além da crise imobiliária e do dólar baixo, o aperto do serviço de imigração para quem não está legalizado tem colaborado para o êxodo. A exigência de visto de turista para o México desde o fim de 2005, a não aprovação da lei de imigração no Senado americano – que anistiaria milhares de estrangeiros – e a prisão de centenas de brasileiros ilegais no último ano destruíram muitos sonhos americanos. Três semanas atrás, 27 brasileiros foram presos em Massachusetts. Eles tentavam comprar o green card por US$ 14 mil e foram pegos por agentes da imigração infiltrados.
A polícia da fronteira com o México, que em 2005 prendeu mais de 30 mil brasileiros, não bateu a marca dos dois mil no ano passado. Em 2007, esse número deve ser ainda mais baixo. “Quem vem para cá vem sempre com o contato de um amigo ou parente. E quem seria louco de vir quando o contato está voltando ou, pior, está na cadeia? Não existe mais a empolgação de cinco, dez anos atrás. Se a situação não melhorar, vou embora”, diz a catarinense Ana Paula Rodrigues, 27 anos, cabeleireira há seis em Orlando, na Flórida.
O casal capixaba Maria das Graças e Sérgio (eles não quiseram revelar o sobrenome) desembarcou no Espírito Santo há três semanas. “Perdemos mais de US$ 150 mil”, diz ela. “Foram sete anos ralando dia e noite. Eu era faxineira e o Sérgio lavava piscina.” Eles chegaram a ter duas casas alugadas que valiam, antes da crise, quase US$ 550 mil. Estavam construindo uma terceira em Boston também com financiamento. Decidiram voltar para o Brasil assim que conseguiram vender um dos imóveis e apurar US$ 140 mil. “Como os bancos estão tomando as casas de volta, o Sérgio ficou sem piscina para lavar e eu perdi dois bons clientes. Largamos tudo e voltamos”, conta ela.
“Há quase um ano existe esse movimento de retorno, mas agora explodiu”, diz a professora Sueli Siqueira, doutora em sociologia pela UFMG, que pesquisa imigração. Moradora de Governador Valadares, pólo exportador de mão-deobra para os EUA, ela vê o resultado da crise na cidade. “As remessas de dinheiro diminuíram e o comércio está sentindo.” Nos Estados Unidos, o estouro da bolha afetou um nicho de trabalho dos brasileiros: a construção civil. “No ano passado peguei entre 20 e 25 trabalhos, este ano só consegui dois”, compara o brasiliense Flávio Catarcione, 40 anos, sócio de uma pequena empresa de construção. Há 12 anos em Boston, ele tem sobrevivido de bicos. “Pela primeira vez estou vendo americano disputando emprego com estrangeiro.”
O diretor executivo do Centro do Imigrante Brasileiro de Allston, Massachusetts, Fausto da Rocha, 57 anos, é procurado diariamente por compatriotas endividados: “Antes era um por semana. Agora não tem um dia que alguém não ligue para cá desesperado, pedindo conselho sobre questões imobiliárias. Se for contar os outros problemas financeiros, acredito que cerca de cinco mil brasileiros vão voltar para o Brasil este ano.” Ele mesmo está prestes a perder sua casa de três quartos e piscina. “Ela já não vale os US$ 410 mil que valia quando eu comprei”, cu ta Rocha, que quer voltar para o Brasil em, no máximo, três anos.
MERCADO: Flávio, sócio de uma pequena construtora em Boston, só conseguiu dois trabalhos este ano
Pai de três filhos nos Estados Unidos e três no Brasil, Rocha trocou o Espírito Santo pela América há 19 anos e, em 2001, deu um sinal de US$ 240 mil para comprar a casa. Não deixou de pagar uma prestação sequer e ainda deve mais do que vale o imóvel. “Precisei fazer algumas reformas, me endividei no cartão de crédito e tenho financiamento em dois bancos. Tentei refinanciar minha dívida, mas disseram que não posso porque agora a casa está valendo quase 20% a menos do que a minha dívida, que é de US$ 400 mil. Vou ter que pedir falência pessoal para não perder mais dinheiro”, lamenta Rocha, que trabalha como locutor de rádio e ganha US$ 49 mil por ano. Depois da falência, ele vai usar o nome de sua mulher para alugar um novo imóvel.
A mineira Elienes Maria dos Anjos pediu a falência há dois meses. Ela já morava nos Estados Unidos há mais de 20 anos quando comprou uma casa em Rockland, Massachusetts. Durante dois anos e meio, viu as prestações virarem uma bola de neve. No início do ano, pagava financiamento em dois bancos, no valor de US$ 1.670 e US$ 513, além do condomínio de US$ 250. “Sem falar das taxas. De três em três meses, eu pagava US$ 650 para a prefeitura. Ninguém me falou disso quando comprei a casa”, reclama a garçonete, de 52 anos. Com o pedido de falência pessoal, Elienes perdeu o imóvel para os bancos, mas pode manter US$ 10 mil em sua conta. Mãe de três filhos na faixa dos 20 anos e avó de um menino de um ano, ela não vê um futuro melhor no Brasil para a família: “Meus filhos foram criados aqui, todos os nossos amigos moram em Massachusetts. Seria um choque muito grande. E pelo menos ainda temos emprego. No Brasil, não sei.”
Na cidade de Wheaton, subúrbio de Washington, a situação é a mesma: brasileiros indo embora sem olhar para trás. “Eles vêm aqui comer coxinha, tomar guaraná e reclamam que não vale a pena mandar dinheiro para o Brasil com o dólar baixo, que o sonho da casa própria acabou... Estão desiludidos”, conta a comerciante Mara Rocha. Ela é dona da loja de produtos brasileiros By Brasil, e também envia dinheiro para o Brasil. “As remessas de dólares caíram muito nos últimos meses. Falta trabalho e sobra dívida”, diz. Apenas as agências de viagens têm obtido lucro com a situação. Na Dan Travel, de Gaithersburg, Maryland, a procura por passagens só de ida para o Brasil aumentou cerca de 20% desde o ano passado.
A baiana Ruth Monte, 41 anos, diz que só não compra a passagem dela porque o marido americano, Jeff, resiste. Quando ela se casou, há cinco anos, ele já estava comprando uma casa em Beltsville, região de Washington. Mas em 2003 a empresa em que ele trabalhava fechou e eles tiveram dificuldade para pagar a prestação da casa, de US$ 1.422. Venderam o imóvel e foram morar num apartamento alugado. Em setembro de 2004, tomaram novo fôlego e compraram uma casa em Bowie. Apesar de o imóvel ter metade do tamanho do anterior, a prestação era quase o dobro, US$ 2.570. Com a crise financeira, tentaram refinanciar, mas não conseguiram. A dívida já supera o valor atual da casa (US$ 340 mil) em US$ 15 mil. “Os preços estão caindo e a gente não sabe se é melhor vender logo e tentar pagar a dívida ou esperar”, diz Ruth, que tem dois empregos. “Estamos lutando para sobreviver neste país que já foi de oportunidades.”
A situação está ainda pior na Flórida. A crise provocou desemprego e uma desvalorização de 50% nos imóveis. A relações-públicas Julia Menezes, 34 anos, se mudou para Orlando em abril do ano passado, com o marido e as filhas. Chegaram cheios de sonhos, que foram desmoronando mês a mês. “Meu marido veio com trabalho certo. Dava duro o dia todo e, depois de três meses, ainda não tinha recebido um tostão. Fomos enganados por outro brasileiro. Gastamos toda a nossa reserva e acabamos despejados”, conta ela. “É difícil conseguir documentos e, sem eles, não há mais trabalho. Meu marido é motorista e a carteira dele vai vencer no mês que vem. Não sabemos se ele vai conseguir renovar, porque está ilegal.”
Sem trabalho desde fevereiro, Julia passa os dias mandando currículos e telefonando para anúncios de emprego. Recebe não como resposta quando diz que não tem Social Security, espécie de CPF de americanos e residentes legais. “A gente vai tentar ficar até o fim de 2007. Se não melhorar, talvez tente a sorte na Europa. Pelo menos tenho cidadania espanhola e não ficaria ilegal. Fiz faculdade, tive uma boa educação e me sinto muito mal por criar minhas filhas na clandestinidade.” Para o sociólogo e demógrafo Wilson Fusco, que fez doutorado na Unicamp na área de imigração, este deverá ser o caminho para quem deseja deixar o País. “Já há 70 mil brasileiros trabalhando legalmente na Espanha. Os brasileiros passaram a ir para a Europa via Portugal”, diz ele. É a renovação do sonho de várias gerações de brasileiros.
Fonte: ISTOÉ
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No ano passado, o técnico em manutenção José Oliveira, 40 anos, mandou fotos da nova casa que havia comprado em Boston, Massachusetts, para amigos e parentes de Mantenópolis, no Espírito Santo. Impressionou todos com o imóvel de dois andares, sala ampla, três quartos, dois banheiros e lavabo. Depois de 15 anos nos Estados Unidos e o cobiçado green card (cartão de residente) para toda a família, a casa própria completava o sonho americano. O que parecia o final feliz de uma história revelou-se o início de um pesadelo. Oliveira não conseguiu pagar o financiamento, endividou-se no cartão de crédito e decidiu mandar a mulher e as filhas de volta para o Brasil no mês que vem. “O que eu ganhei em 15 anos de América perdi em um ano e meio”, lamenta Oliveira. “Minha casa vale US$ 100 mil a menos do que eu paguei”, diz ele, que pretende continuar lutando sozinho para recuperar o dinheiro perdido.
Oliveira vai entregar a casa aos credores, vender o carro e dividir um apartamento com outros cinco brasileiros. Ele fez o financiamento imobiliário conhecido como subprime. Este tipo de empréstimo aceita clientes com perfil arriscado, que já tiveram o nome sujo, não têm salários regulares, ou que ainda estão há pouco tempo nos EUA. Para compensar o maior risco, o banco cobra juros mais altos ou taxas variáveis, que começam baixas e podem terminar muito altas. Assim, Oliveira viu sua prestação passar de US$ 1,3 mil para US$ 2,5 mil. Por ter documentos em dia, acredita que ainda consegue trabalho. “Depois de dar duro por tanto tempo, estou sem nada. Tenho até vergonha da nossa situação”, admite.
A crise imobiliária americana e a desvalorização do dólar atingiram em cheio os brasileiros que vivem nos Estados Unidos. Em Framingham, Massachusetts, moram 12 mil brasileiros ilegais e mais de 50% do comércio do centro da cidade é direcionado a este público. Desde o começo de 2007, as lojas estão às moscas. “A situação é grave. Fizemos uma reunião de emergência para decidir que providências tomar para salvar o comércio em Framingham”, diz o americano John Steacie, presidente da associação de comerciantes. “Há 20 anos, não tínhamos nada aqui e agora corremos o risco de voltar à estaca zero. Dezenas de brasileiros estão indo embora toda semana. Estamos fazendo campanha para que os comerciantes brasileiros comecem a trabalhar em inglês para atrair clientes americanos e evitar a falência.”
Foi em Framingham que a mineira Aparecida dos Santos, 27 anos, conseguiu juntar US$ 50 mil em três anos de trabalho sem descanso como faxineira, balconista e pintora de parede. Ela chegou aos Estados Unidos em 2004 atravessando, clandestinamente, a fronteira com o México. Presa na travessia, amargou dois meses na prisão no Texas. Colocada em liberdade até o julgamento, fugiu para Massachusetts. Em março passado, comprou uma casa por US$ 250 mil em Newark. Deu as economias e financiou o restante em 30 anos. A crise imobiliária a atingiu em cheio. A prestação mensal pulou de US$ 1.800 para US$ 2.400, hoje o imóvel não vale mais de US$ 180 mil e a dívida dela está em US$ 214 mil. “Depois de tanto sofrimento que passei, juro, pensei até em pular da ponte. O prejuízo é certo, mas vou sair dessa”, diz ela.
UNIÃO: Ruth não volta por causa do marido americano
Além da crise imobiliária e do dólar baixo, o aperto do serviço de imigração para quem não está legalizado tem colaborado para o êxodo. A exigência de visto de turista para o México desde o fim de 2005, a não aprovação da lei de imigração no Senado americano – que anistiaria milhares de estrangeiros – e a prisão de centenas de brasileiros ilegais no último ano destruíram muitos sonhos americanos. Três semanas atrás, 27 brasileiros foram presos em Massachusetts. Eles tentavam comprar o green card por US$ 14 mil e foram pegos por agentes da imigração infiltrados.
A polícia da fronteira com o México, que em 2005 prendeu mais de 30 mil brasileiros, não bateu a marca dos dois mil no ano passado. Em 2007, esse número deve ser ainda mais baixo. “Quem vem para cá vem sempre com o contato de um amigo ou parente. E quem seria louco de vir quando o contato está voltando ou, pior, está na cadeia? Não existe mais a empolgação de cinco, dez anos atrás. Se a situação não melhorar, vou embora”, diz a catarinense Ana Paula Rodrigues, 27 anos, cabeleireira há seis em Orlando, na Flórida.
O casal capixaba Maria das Graças e Sérgio (eles não quiseram revelar o sobrenome) desembarcou no Espírito Santo há três semanas. “Perdemos mais de US$ 150 mil”, diz ela. “Foram sete anos ralando dia e noite. Eu era faxineira e o Sérgio lavava piscina.” Eles chegaram a ter duas casas alugadas que valiam, antes da crise, quase US$ 550 mil. Estavam construindo uma terceira em Boston também com financiamento. Decidiram voltar para o Brasil assim que conseguiram vender um dos imóveis e apurar US$ 140 mil. “Como os bancos estão tomando as casas de volta, o Sérgio ficou sem piscina para lavar e eu perdi dois bons clientes. Largamos tudo e voltamos”, conta ela.
“Há quase um ano existe esse movimento de retorno, mas agora explodiu”, diz a professora Sueli Siqueira, doutora em sociologia pela UFMG, que pesquisa imigração. Moradora de Governador Valadares, pólo exportador de mão-deobra para os EUA, ela vê o resultado da crise na cidade. “As remessas de dinheiro diminuíram e o comércio está sentindo.” Nos Estados Unidos, o estouro da bolha afetou um nicho de trabalho dos brasileiros: a construção civil. “No ano passado peguei entre 20 e 25 trabalhos, este ano só consegui dois”, compara o brasiliense Flávio Catarcione, 40 anos, sócio de uma pequena empresa de construção. Há 12 anos em Boston, ele tem sobrevivido de bicos. “Pela primeira vez estou vendo americano disputando emprego com estrangeiro.”
O diretor executivo do Centro do Imigrante Brasileiro de Allston, Massachusetts, Fausto da Rocha, 57 anos, é procurado diariamente por compatriotas endividados: “Antes era um por semana. Agora não tem um dia que alguém não ligue para cá desesperado, pedindo conselho sobre questões imobiliárias. Se for contar os outros problemas financeiros, acredito que cerca de cinco mil brasileiros vão voltar para o Brasil este ano.” Ele mesmo está prestes a perder sua casa de três quartos e piscina. “Ela já não vale os US$ 410 mil que valia quando eu comprei”, cu ta Rocha, que quer voltar para o Brasil em, no máximo, três anos.
MERCADO: Flávio, sócio de uma pequena construtora em Boston, só conseguiu dois trabalhos este ano
Pai de três filhos nos Estados Unidos e três no Brasil, Rocha trocou o Espírito Santo pela América há 19 anos e, em 2001, deu um sinal de US$ 240 mil para comprar a casa. Não deixou de pagar uma prestação sequer e ainda deve mais do que vale o imóvel. “Precisei fazer algumas reformas, me endividei no cartão de crédito e tenho financiamento em dois bancos. Tentei refinanciar minha dívida, mas disseram que não posso porque agora a casa está valendo quase 20% a menos do que a minha dívida, que é de US$ 400 mil. Vou ter que pedir falência pessoal para não perder mais dinheiro”, lamenta Rocha, que trabalha como locutor de rádio e ganha US$ 49 mil por ano. Depois da falência, ele vai usar o nome de sua mulher para alugar um novo imóvel.
A mineira Elienes Maria dos Anjos pediu a falência há dois meses. Ela já morava nos Estados Unidos há mais de 20 anos quando comprou uma casa em Rockland, Massachusetts. Durante dois anos e meio, viu as prestações virarem uma bola de neve. No início do ano, pagava financiamento em dois bancos, no valor de US$ 1.670 e US$ 513, além do condomínio de US$ 250. “Sem falar das taxas. De três em três meses, eu pagava US$ 650 para a prefeitura. Ninguém me falou disso quando comprei a casa”, reclama a garçonete, de 52 anos. Com o pedido de falência pessoal, Elienes perdeu o imóvel para os bancos, mas pode manter US$ 10 mil em sua conta. Mãe de três filhos na faixa dos 20 anos e avó de um menino de um ano, ela não vê um futuro melhor no Brasil para a família: “Meus filhos foram criados aqui, todos os nossos amigos moram em Massachusetts. Seria um choque muito grande. E pelo menos ainda temos emprego. No Brasil, não sei.”
Na cidade de Wheaton, subúrbio de Washington, a situação é a mesma: brasileiros indo embora sem olhar para trás. “Eles vêm aqui comer coxinha, tomar guaraná e reclamam que não vale a pena mandar dinheiro para o Brasil com o dólar baixo, que o sonho da casa própria acabou... Estão desiludidos”, conta a comerciante Mara Rocha. Ela é dona da loja de produtos brasileiros By Brasil, e também envia dinheiro para o Brasil. “As remessas de dólares caíram muito nos últimos meses. Falta trabalho e sobra dívida”, diz. Apenas as agências de viagens têm obtido lucro com a situação. Na Dan Travel, de Gaithersburg, Maryland, a procura por passagens só de ida para o Brasil aumentou cerca de 20% desde o ano passado.
A baiana Ruth Monte, 41 anos, diz que só não compra a passagem dela porque o marido americano, Jeff, resiste. Quando ela se casou, há cinco anos, ele já estava comprando uma casa em Beltsville, região de Washington. Mas em 2003 a empresa em que ele trabalhava fechou e eles tiveram dificuldade para pagar a prestação da casa, de US$ 1.422. Venderam o imóvel e foram morar num apartamento alugado. Em setembro de 2004, tomaram novo fôlego e compraram uma casa em Bowie. Apesar de o imóvel ter metade do tamanho do anterior, a prestação era quase o dobro, US$ 2.570. Com a crise financeira, tentaram refinanciar, mas não conseguiram. A dívida já supera o valor atual da casa (US$ 340 mil) em US$ 15 mil. “Os preços estão caindo e a gente não sabe se é melhor vender logo e tentar pagar a dívida ou esperar”, diz Ruth, que tem dois empregos. “Estamos lutando para sobreviver neste país que já foi de oportunidades.”
A situação está ainda pior na Flórida. A crise provocou desemprego e uma desvalorização de 50% nos imóveis. A relações-públicas Julia Menezes, 34 anos, se mudou para Orlando em abril do ano passado, com o marido e as filhas. Chegaram cheios de sonhos, que foram desmoronando mês a mês. “Meu marido veio com trabalho certo. Dava duro o dia todo e, depois de três meses, ainda não tinha recebido um tostão. Fomos enganados por outro brasileiro. Gastamos toda a nossa reserva e acabamos despejados”, conta ela. “É difícil conseguir documentos e, sem eles, não há mais trabalho. Meu marido é motorista e a carteira dele vai vencer no mês que vem. Não sabemos se ele vai conseguir renovar, porque está ilegal.”
Sem trabalho desde fevereiro, Julia passa os dias mandando currículos e telefonando para anúncios de emprego. Recebe não como resposta quando diz que não tem Social Security, espécie de CPF de americanos e residentes legais. “A gente vai tentar ficar até o fim de 2007. Se não melhorar, talvez tente a sorte na Europa. Pelo menos tenho cidadania espanhola e não ficaria ilegal. Fiz faculdade, tive uma boa educação e me sinto muito mal por criar minhas filhas na clandestinidade.” Para o sociólogo e demógrafo Wilson Fusco, que fez doutorado na Unicamp na área de imigração, este deverá ser o caminho para quem deseja deixar o País. “Já há 70 mil brasileiros trabalhando legalmente na Espanha. Os brasileiros passaram a ir para a Europa via Portugal”, diz ele. É a renovação do sonho de várias gerações de brasileiros.
Fonte: ISTOÉ
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