segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Os Vendilhões do Templo

Vou começar esta nota com um trecho do novo testamento, justamente aquele que diz que o dinheiro é causa de todos os males. Achei muito apropriado, a título de prolegômenos:

“Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele.
Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.
Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.
Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” ( I Tim 6, 7-10)

Pronto, transformaram Jesus em marca registrada. Agora ele é apenas um bem (material) de consumo de massa. Parece que os evangélicos, os católicos e os demais cristãos são mesmo muito frouxos. Imaginem algum espertalhão muçulmano “inventar” de comercializar produtos com a marca “100% Alá”? Provavelmente perderia as duas mãos, se não lhe acontecesse algo pior ainda aqui na terra. Porque, ao que tudo indica, o destino de todos esses, após a morte, está selado: ou acham, os crentes, que há lugares confortáveis no paraíso para a vulgarização comercial dessa “marca” em nome da qual tantos sofreram e morreram?

Esqueceram-se das cruzadas? Apagou-se da memória a inquisição? Nunca tiveram notícia da ocupação do “novo mundo” e do que foi praticado em nome de “difundir a fé”? De um e de outro lado, há motivos de sobra para tratar essa “marca” com uma certa cautela. Transformar Jesus em marca comercial da forma como essa empresa de Indaial (www.cemporcentojesus.com) está fazendo desde fevereiro, é um pouco demais.

Alguém poderá dizer que no nordeste tem o guaraná Jesus. Sim, que tem esse nome porque o proprietário da empresa que o lançou em 1920 se chamava Jesus Norberto Gomes. Hoje é engarrafado por uma empresa que também engarrafa Coca-cola e não pretende (e até onde sei nunca pretendeu) unir a marca à pregação religiosa.

Esta investida catarinense, segundo se lê no site da empresa, é feita por “cristãos da Igreja Pentecostal Primitiva do Caminho, liderada pelo abençoado Pastor Élio na Cidade de Indaial/SC”. E o objetivo é claramente usar a fé como impulsionadora de negócios (a igreja que recomendar os produtos levará uma graninha como pagamento pelo “apoio”):

“Este propósito nasceu da obrigação que todo cristão tem para com Deus. Por isso resolvemos destinar 20% do faturamento líquido da empresa às obras sociais e ao Reino de Deus, onde 10% será destinado para as Igrejas que nos apoiam e 10% para as obras sociais que nós (100% Jesus) acreditamos estar precisando dos recursos. Que este propósito seja aceito por Deus pai e nossos amigos e parceiros e que continue abençoando esta marca hoje, amanhã e sempre.”

O numeroso rebanho cristão não deveria mais servir tão docilmente como massa de manobra: já há algum tempo elege cegamente quem os pastores recomendam. Criaram, em praticamente todos os legislativos, bancadas evangélicas que, em sua maioria, não têm ajudado a moralizar a vida pública. Será que agora vão começar a consumir apenas os produtos que tenham o selo de aprovação (remunerada com o vil metal) dos bispos?

Se não fosse por mais nada, seria concorrência desleal. Algo com que as associações comerciais e os órgãos de defesa do consumidor e da livre concorrência (como o Cade), deveriam se preocupar. A menos que o Brasil já seja um Estado fundamentalista (como o Irã) ou dirigido por fanáticos (como a Venezuela) e ninguém tenha nos avisado.

PROPAGANDA ENGANOSA

Antes que me esqueça: não dá pra levar a sério um empreendimento que no rótulo fala em “100% Jesus” e nas letrinhas miúdas informa que apenas 20% do faturamento líquido irá para a caridade e para a remuneração dos pastores/garotos-propaganda. O rótulo, em verdade em verdade vos digo, deveria ser “20% Jesus (descontados os impostos)”.

Fonte: http://www.deolhonacapital.com.br