quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Curso ensina pastor a ser empresário da fé

Frases

"A seara exige obreiros empreendedores, criativos, capazes de trabalhar em grupo e de liderar com visão global".
"Desmerece a obra de Deus aquele que se nega a entregar o dízimo. Deus não é mendigo e não precisa de resto".

"A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida porque o seu estoque são almas".

"O ser humano é interesseiro e quer que a igreja manifeste a presença de um Deus vivo com retorno imediato".

"O povo não pode ouvir os obreiros falar sobre as doenças deles. Como crerão se o próprio mensageiro não recebe a benção na prática?"

A cartilha dos grandes empresários diz que, para se dar bem nos negócios, é fundamental estar atento às mudanças na sociedade, empregar com eficiência a propaganda, estudar o público-alvo, cuidar bem dos funcionários e vigiar a concorrência. Pois essas regras também valem para os que desejam abrir a própria igreja evangélica, segundo um curso oferecido pelo Seminário Brasileiro de Teologia (SBTe).

Uma frase presente na apostila do “Curso de Formação de Pastor” dá o tom do seu conteúdo:
“A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida, porque o seu estoque são almas”.

Partindo da premissa de que os meios de comunicação transformaram a sociedade, o curso convoca os pastores a uma adaptação aos novos tempos: “As igrejas que não seguirem a cultura dos povos tendem a ficar vazias”.

A advogada e aluna do curso Laudicéia Koschitz, 39, concorda. Não acha errado, por exemplo, que as evangélicas se embelezem. “A mulher é uma obra maravilhosa de Deus e precisa se arrumar.”

Hoje, diz o curso, o pastor deve ser “empreendedor, criativo, capaz de trabalhar em grupo e de liderar com visão global”.

As igrejas pentecostais já parecem ter entendido. Em 2002, segundo pesquisa do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro), seus seguidores já eram 11,1% do total da população, número quatro vezes maior que em 1980.

Para aproveitar esse crescimento vertiginoso, o curso lista atitudes que devem ser tomadas pelo pastor empreendedo. Antes de abrir uma igreja, por exemplo, ele deve estudar a região e o público-alvo. Se o local for pobre, ajudam a atrair gente a distribuição de lanches e o sorteio de cestas básicas.

Na Assembléia de Deus do Jardim do Apurá (zona sul de São Paulo), o fiel que fica até o fim do culto recebe um cachorro-quente.

É importante ainda que o pastor seja “um ator, um dramaturgo” para “acomodar o povo, chamar a sua atenção e fechar a sua boca”.

Para ser eficiente, ele é aconselhado a se alimentar bem e a se exercitar com musculação e corrida. Quando tiver de ministrar por tempo muito longo, deve evitar o sexo nos quatro dias anteriores.

Na foto o pastor Marcelo de Souza ora por religiosos que pedem milagres ao Espírito Santo

Marcelo de Souza, 36, é um aluno que concorda com a importância do preparo físico. Se não jogasse futebol sempre que possível, talvez não conseguisse andar sem parar enquanto prega e nem ficar na ponta dos pés nos momentos mais dramáticos.

Outro fator determinante para o sucesso é pregar conforme a vontade do público. Em geral, diz o curso, pessoas mais pobres tendem a gostar de “ver coisas sobrenaturais” (como sessões de exorcismo), de dançar, cantar e ouvir o pastor falar em línguas estranhas (glossolalia).

Também se deve empregar o maior número possível de fiéis na igreja.
“Os que participam e se sentem valorizados não migram para outra igreja, pagam o dízimo todo mês e trazem a família e amigos para vê-los.”
“O curso se vale dos melhores textos da área de administração e ensina recursos que uma empresa moderna utiliza para se manter competitiva num mercado globalizado”, diz o coordenador do MBA de Marketing da Fia (Fundação Instituto de Administração), Dilson Gabriel dos Santos.

Para o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) Antônio Sauaia, o curso ensina uma técnica utilizada por empresas de produtos de consumo, que atraem o consumidor por meio de vendedores que vivem no mesmo bairro dele.

Administração eclesiástica

A apostila é dividida em cinco módulos. Os quatro primeiros, com 75 páginas, tratam da legislação sobre a prática religiosa (como obter subvenções do poder público, por exemplo), das diferenças entre as principais correntes evangélicas, da importância do emprego de técnicas de oratória na pregação e de como convencer os fiéis a pagar o dízimo.

O quinto e maior, com 63% do total de páginas, é intitulado “Administração Eclesiástica”. Nele, são indicados “projetos para multiplicar a quantidade de membros, templos e de caixa da igreja a cada 90 dias”.

O curso pode ser encomendado pela internet (www.cursodepastor.com.br) ou por telefone, custa R$ 450 e deve ser feito por correspondência em prazo estipulado de 90 dias.

Ao seu final, o aspirante a pastor deve enviar por correio à instituição, que tem sede em Ituiutaba (MG), as respostas a um questionário que fica nas últimas páginas da apostila. Se aprovado, ganha um diploma e uma carteirinha que, segundo o SBTe, “pode ser aproveitada em qualquer das diferentes denominações de igrejas evangélicas”.

O guru dos pastores

O pastor Omar Silva da Costa, 49, é o criador deste e de outros 17 cursos por correspondência também oferecidos pela internet. Os mais caros, chamados de “Bacharelado em Teologia Eclesiástica”, “Mestrado em Bíblia” e “Doutorado em Divindade”, custam, respectivamente, R$ 750, R$ 1.050 e R$ 1.350. Todos também têm duração de 90 dias e dão direito a carteirinha e diploma “para enriquecer o currículo”.

“Decidi oferecer os cursos assim, por correspondência, porque muita gente não tem condições de pagar escolas caras e passar quatro ou cinco anos estudando até se tornar pastor. Além disso, não há escolas de teologia em todas as cidades brasileiras.” Segundo Costa, o curso de formação de pastor, oferecido desde fevereiro deste ano, já foi vendido a mais de 500 pessoas –se o número estiver correto, as vendas já renderam R$ 225 mil, pelo menos. A procura tem sido tão boa que, no curso, ele prevê: “Em pouco tempo vai haver nas faculdades cursos de administração de igreja, como já há de administração hospitalar”.