quarta-feira, 21 de julho de 2010

Os prós e os contras dos livros de autoajuda como “A Cabana”

Eles constituem um fenômeno editorial. Basta uma espiadela rápida em qualquer lista de livros mais vendidos – de livrarias a revistas semanais – para checar que eles são campeões de vendas. Bons exemplos são “O Monge e o Executivo”, de James Hunter, e “A Cabana”, de William Paul Young. Até dezembro de 2009, ambos tinham vendido cerca de 3,5 milhões e 11 milhões, respectivamente, em todo o mundo. A crítica e a elite intelectualizada podem até torcer o nariz, mas os títulos de autoajuda têm lugar cativo entre os leitores brasileiros. Razões não faltam, mas entre elas estão o preço, mais em conta do que um título de literatura convencional (ou “séria”, como dizem os inimigos do tema), e a variedade de assuntos: há obras para lidar com perdas, agarrar marido, recuperar a fé, ganhar mais dinheiro, educar os filhos, vencer a depressão, conviver com gente difícil…

Para a psicóloga cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira, de São Paulo, o crescente aumento nas vendas de livros de autoajuda se deve a uma multiplicidade de fatores. “Trata-se de uma leitura fácil, que não requer grande esforço mental para a compreensão do texto. São obras muito bem difundidas pela mídia, reforçadas por veículos de comunicação respeitáveis e que propõem soluções simples, nem sempre válidas ou efetivas, para problemas complexos. E estão disponíveis e acessíveis a qualquer pessoa devido ao baixo custo”, enumera.

Outra razão que explica a alta vendagem é que, em vez de seguir uma religião, muitas pessoas hoje em dia se dizem “espiritualizadas”. Nos últimos anos, o ensino religioso e as práticas religiosas formais perderam espaço nas tradições acadêmicas e familiares. Para muitas pessoas, esse tipo de literatura pode ser uma tentativa de compensar a falta ou preencher esta lacuna.

E, se até pouco tempo atrás havia certa impressão de que o público-alvo desse tipo de literatura era formado basicamente por mulheres, hoje o cenário é bem diferente. “O público consumidor de livros de autoajuda é muito variado”, afirma Mara Lúcia. “Inclui desde adolescentes até executivos, passando por donas de casa, religiosos, pessoas desempregadas, arruinadas financeira, amorosa e afetivamente. Pais desnorteados em relação à educação dos filhos, pessoas com depressão, ansiedade, compulsões e outras patologias, resistentes ou avessas a tratamentos médicos ou psicológicos”, diz a psicóloga.

Eunice Madeira, professora de graduação do curso de psicologia da Universidade Veiga de Almeida, do Rio de Janeiro, tem uma teoria sobre o assunto. Segundo ela, no mundo global de hoje, conectado pela tecnologia, o ser humano está cada vez mais só. “O olho no olho sempre foi um poderoso agente da certeza do outro através dos tempos. Hoje, rapidamente transitamos pela notícia, chegamos às informações, porém sempre mediados por um instrumento. O contato físico, a proximidade, a tonalidade de uma voz que nos irrita ou nos faz vibrar, que nos obriga a viajar no tempo, que coloca nossas ideias de pernas para o ar se perdeu, nos deixou órfãos desta química que nos lembra a todo instante a condição de parceiro, de cúmplice da vida. Assim, quem escreve livro de autoajuda o faz não para cada sujeito, mas para seu íntimo, esse universo onde habita a magia da solidão”, acredita.

Um conforto

Para Alexandre Bortoletto, instrutor da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística (SBPNL), as pessoas buscam, principalmente, autoconhecimento e consolo nas obras de autoajuda. São úteis, portanto, para ajudar a enfrentar problemas como perda de um ente querido, conflitos entre pais e filhos, dificuldades financeiras ou profissionais e problemas amorosos. “Estes livros ensinam resiliência, que é a capacidade de enfrentar problemas e crises e de superar obstáculos. Uma crise é um momento em que somos obrigados a escolher um novo caminho, mesmo quando não estamos prontos para tomar tal decisão. Os livros podem dar o conforto e a esperança de que precisamos para aprender com a situação e superar essa fase”, acredita Alexandre. “Os textos estão plenos de ideias que, indo ao encontro das carências de hoje, permitem a cada leitor a sensação de que é único, de que ali está uma palavra especial para ele”, opina Eunice Madeira. “Eles funcionam como um atenuante do sofrimento, uma vez que distraem e removem, temporariamente, o desconforto do contato com a realidade”, faz coro Mara Lúcia Madureira, que confessa ter extraído conhecimento e sugestões úteis em “Pai Rico, Pai Pobre”, de Robert T. Kiyosaki, “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, de Gustavo Cerbasi, “Quem Mexeu no Meu Queijo?”, de Spencer Johnson, “O Monge e o Executivo”, de James C. Hunter, e “Filhos Autônomos, Filhos Felizes”, de Cris Polly.

Sem esforço

Os especialistas, entretanto, também veem fatores negativos nessa literatura. A principal questão levantada nesse sentido é a de que os livros de autoajuda geralmente dão dicas mais relativas a “o que fazer” para ser isso ou aquilo, e não ensinam o “como”, ou seja, de que maneira a pessoa pode se conhecer e se transformar profundamente. Ou seja, a busca pelo autoconhecimento não é 100% alcançada. “Muita gente procura uma resposta simples para seus problemas sem primeiro dedicar tempo e paciência para entendê-los. Acredito que essas pessoas buscam nos livros uma fórmula da felicidade, dicas para melhorar o dia a dia sem esforço”, destaca Alexandre Bortoletto, que indica os títulos de Deepak Chopra, focados em cura emocional, e de Anthony Robbins, que popularizou a ciência da programação neurolinguística, como bons e eficazes representantes do gênero.

Terapia

O mercado editorial difunde, ainda que de modo sutil, a ideia de que esses livros cumprem a função de uma terapia para quem não tem condições financeiras de fazer uma. Na opinião dos especialistas, entretanto, adotar um livro como terapia pode até atrapalhar a pessoa, já que o foco da psicoterapia é buscar a compreensão dos problemas e o entendimento do que, no passado, causou tais problemas. “A autoajuda oferece possibilidades para o futuro, sem pesquisar a história pessoal de cada um”, salienta Alexandre Bortoletto.

Existe, porém, quem tem receio de fazer terapia. Assim, esse tipo de leitura funcionaria como manobras para se esquivar do processo psicoterápico. O livro não questiona, não critica, não espera e não cobra resultados das ações do indivíduo, não o coloca em confronto com crenças e comportamentos disfuncionais. “Essas obras podem contribuir para facilitar a compreensão do leitor sobre questões que ele hesita em compartilhar com outras pessoas, por medo da exposição, da crítica ou por não admitir que possa, como todo ser humano, encontrar dificuldades para lidar com questões afetivas”, explica a psicóloga Mara Lúcia Madureira. “Muitas pessoas apresentam padrões de pensamentos rígidos, não sabem lidar com críticas e pensam, de modo distorcido, que acatar sugestões significa submeter-se à vontade alheia. Pela natureza impessoal do livro, o leitor não se sente comandado ou pressionado a buscar ajuda, mas o faz espontaneamente, por iniciativa própria, sem intervenção de outras pessoas”, conclui.

Discernimento

Para a professora Eunice Madeira, dependendo de todas as questões já levantadas, uma obra de autoajuda pode até se tornar terapêutica quando, realmente, ajuda o leitor a refletir sobre importantes questões que até aquele momento não eram percebidas e, consequentemente, permitem a descoberta de novos horizontes que o tornem melhor. Não podemos negar ou diminuir o mérito de algumas publicações desse gênero. Existem muitos trabalhos sérios, de autores respeitáveis, embasados em longos anos de experiência profissional. Compete ao leitor discernir sobre o que lhe parece útil, usar esse aprendizado em seu benefício e descartar aquilo que não representa nenhum proveito. “Como todo e qualquer instrumento, esse tipo de livro pode ser considerado bom ou ruim. Podemos classificá-lo positivamente como algo que acolhe, preenche um importante espaço emocional, que mantém o sujeito ativo. Também podemos falar da alienação, da falsa sensação de mergulho nas próprias questões. Há que se considerar, também, a qualidade do que é escrito”, conclui Eunice.

Fonte: UOL
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