Por Pr Julio de Oliveira Sanches
Em novembro a peça com quinhentos gramas custava R$ 16,88. Na semana que antecedia o Natal baixou para R$ 12,56. Logo após o Natal, antes do dia primeiro do janeiro, comprava-se o mesmo produto por R$ 8,32. Na primeira segunda-feira de 2009, dia 5, estava em liquidação a R$ 2,98. Feliz, minha esposa comprou uma peça com pingos de chocolate, para o neto que alegrava a casa desde o início de dezembro. Netos merecem panetones com pingos de chocolate. Embora a minha preferência seja para os que contem frutas cristalizadas, prevaleceu a preferência do neto. À proporção que a idade chega, nossas preferências são descartadas em função dos mais novos. Nenhuma novidade nisso.
Após pagar as compras e dirigir-nos ao estacionamento, o locutor anunciou que agora “era para acabar”. O preço baixou para R$ 1,48. Caso houvesse aguardado mais alguns minutos, minha amada teria economizado R$ 0,50. Perguntei-lhe se não desejava voltar e comprar mais um para as outras netas. Claro que não! Não pelas netas, mas por sentir-se ludibriada. Enquanto eu me divertia, somos um casal divertido, a nossa moda, é claro; ela reclamava da injustiça e insinceridade da promoção. Por que não um preço único na promoção ou queima de estoque? Bem, disse-lhe, a expectativa e o improviso fazem parte do marketing que atrai o cliente. É o que vemos nas diversas liquidações de início de ano. Os preços caem, mas o produto, às vezes, é o mesmo.
Liquidações são bem vindas para os que temos menor poder aquisitivo. Na maioria dos casos o produto tem um pequeno defeito. Não foi aprovado pela produção. Não passou no teste ou inspeção de qualidade dos olhos de lince dos que procuram defeitos. Descartá-lo é uma possibilidade. Vendê-lo por preço menor é outra, com aviso de que não será trocado e não foi aprovado pela qualidade. Compra quem quer. Mas sem direito à reclamação. Nem sempre é bom arriscar. Mas no caso do panetone, apenas o tempo de validade para consumir era menor. Sem riscos desagradáveis para a saúde.
Ao ver tantas liquidações na cidade. As filas intermináveis. Pessoas que dormem na fila para conseguir os melhores objetos. Gente carregando geladeiras, aparelhos de TV, liquidificadores, em carrinhos de pedreiros. As lojas não entregam produtos liquidados. Embrulhos e mais embrulhos, e alguns produtos não são embrulhados. A ânsia por adquirir. Gente com três batedeiras. Outros com dois fogões. Somos obrigados a filosofar com os nossos botões, que não estão em liquidações. Será que os compradores precisam de tais objetos? Caso não, compensa comprar, só por que é mais barato? A economia familiar e a administração das finanças domésticas recomendam a não aquisição do que não precisamos. Mas quem resiste a propaganda? O poder da mídia? Um panetone, de marca famosa, a menos de um real? Defeitos não contam. Em outras circunstâncias seriam considerados. Em liquidação não.
Fui tentado a fazer uma lista das liquidações que temos promovido em nossas Igrejas nestes últimos anos. Pastor só pensa em Igreja. Deveria ocorrer uma liquidação do pensar, mas não há. Assim, pois, listei alguns dos muitos produtos liquidados a preços irrisórios, para gáudio da clientela.
Comecei com a música nos cultos. Liquidou-se a boa música dos cultos. Produtos de terceira categoria tomaram o lugar da música sacra. Produtos com defeitos vários. Doutrina estranha. Teologia suspeita. Conceito de louvor deturpado. Ortografia, não a nova, mas a antiga desrespeitada. Mistura de pronomes com verbos em tempos diferentes. Heresias, as mais variadas. Mensagens, nem pensar. Ninguém resistiu. As filas crescem e hoje temos todo barulho da liquidação nos cultos. O vozerio dissonante da multidão, sem ritmo e compasso, consumindo “musica” de péssima qualidade para louvar. Não importa o resultado. Custa menos. Não precisa estudar. Tampouco ensaiar. Qualquer barulho serve. Algumas Igrejas, sem condições de impedir a liquidação, construíram roldanas de acrílico para o baterista e a bateria, que faz de conta que toca enquanto o povo faz de conta que ouve. Liquidação horrível. Nada contra a boa bateria bem tocada.
Liquidaram a EBD. Estudo bíblico é produto ultrapassado. O negócio agora é celebrar. Jogam-se alguns textos desconexos no multimídia e o povo faz de conta que lê a Bíblia. A maioria não é capaz de separar as profecias de Ezequiel das “possíveis escatologias de Jaconias”. Antes que você creia que se trata de um profeta em liquidação, adianto-me a dizer-lhe que não existe. Analfabetismo bíblico total. Custa menos. Povo analfabeto é mais fácil de ser dominado. Não doutrinar. Examinar o texto. Extrair a sua verdadeira mensagem, sem trair o seu contexto e conteúdo é mais barato. O resultado não se faz esperar. Crentes carregando a fé em carrinhos de pedreiros. Nada contra os bons pedreiros. Salvos alimentados por doutrinas e pelos milagreiros da TV, custam menos. A família liquidou o culto doméstico. As novelas custam menos, com resultados imediatos. As mini séries valorizam vidas desregradas, com estímulo aos jovens a seguir o exemplo. Isto é: drogas. Incestos. Gravidez precoce. Relacionamentos, sem casamentos. Namorados assassinando as namoradas que se recusam continuar o relacionamento. Leia-se: recusam os motéis movidos a gasolina e os fixos à beira das rodovias. Educar filhos dá trabalho. Cuidar de netos, sem pais definidos, é mais barato. Pobre família que liquidou o culto doméstico.
Alguns púlpitos liquidaram a mensagem bíblica. Celebra-se a mediocridade, sem conteúdo bíblico. O povo não suporta a Bíblia. Manter um bom auditório oferecendo o que o freguês quer, jamais o que precisa, é mais barato. Alguns “milagres”. Muita energia e bastante sudorese. Nada de reflexão. Convite ao arrependimento, palavra em desuso, agride. Levar os salvos a refletir custa caro. É mais difícil ludibriar quem pensa. É mais fácil ser apóstolo, profeta, bispo e dizer que teve uma visão. Cegos que não enxergam aceitam profecias esdrúxulas. Visões descabidas. Revelações alucinógenas. Pecado deixa de ser pecado. Pecador se transforma em alguém sem Igreja, que precisa de comunhão, não de arrependimento. É mais barato. O mundo evangélico está em liquidação. Não precisa mais de cruz. Não precisa mais morrer para viver, Lc 9:23-24. Basta colocar no carrinho e levar a preços módicos.
Há muitos outros produtos em liquidação. O espaço não permite mencioná-los. O preço baixou. Aproveite. Entre na fila e adquira, via carnê bancário, um lugar no céu. Prefiro a liquidação de panetones. É mais honesta.
Fonte: Salvos
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