
Durante quinhentos anos, o protestantismo tem negado o valor das obras feitas pelo esforço próprio para conseguir a aceitação de Deus. O legalismo não tem qualquer papel na salvação; apenas na condenação. A lei conduz o pecador a Cristo, que abre a porta da salvação pela fé. Graça revela a aceitação do sacrifício de Cristo como suficiente para anular o pecado e encaminhar o então renascido filho nos trilhos da santidade. Isto é o que significa salvação pela fé em Cristo.
No lugar da lei, Deus cumpre sua antiga promessa de enviar seu Espírito aos corações dos que crêem em Cristo e conduzi-los vitoriosamente para sua salvação final. Paulo coloca esta verdade em Gálatas assim: “Andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência (desejo) da carne” (Gl 5.16).
Até aqui tudo bem! Não há problema quanto ao perdão dos filhos pródigos que voltam para a casa onde o Pai os recebe de braços abertos e lhes oferece uma festa maravilhosa. A graça ilimitada de Deus é o cerne das Boas Novas que recebemos e oferecemos nas igrejas verdadeiramente evangélicas.
Uma vez recebida a oferta de perdão pela fé, pecadores que não merecem a graça descansam no “infinito” amor de Deus. Assim, somos confrontados com a difícil questão dos pecados “pós-batismais”, os delitos dos crentes. São eles os escândalos, adultérios, divisões e divórcios, além das ações antiéticas de políticos que envergonham os evangélicos que os elegeram. A lista está longe de ser completa. Será que justificação pela graça não engendra um perigo de apatia espiritual e moral?
Jesus contou a história do devedor de dez mil talentos, cerca de trezentos e cinqüenta quilos de prata, que, depois de receber perdão da dívida que nunca conseguiria pagar, não perdoa uma pequena dívida de um colega. O credor original aplicou a dívida novamente ao devedor com todo o seu rigor! Como ficaria a graça quando o devedor arrependido volta, implorando o credor para anular a obrigação depois de ouvir a sentença? Conseguiria perdão? O seu caráter realmente mudou?
Será que a graça pode ser recebida sem nenhum constrangimento? Creio que o filho mais velho interpretou a indulgência com que o pai tratou o pródigo como promoção de libertinagem. Paulo disse que o amor de Cristo nos constrange como uma camisa de força que restringe quem a veste. Pecar para promover um aumento de graça é um engano segundo Romanos 6.
Era de se esperar que a tolerante sociedade ocidental entendesse que Deus não aplicaria uma exigência de santidade mais rigorosa para pecados de crentes do que para os que se entregam a Cristo pela primeira vez. Todos mostram tolerância ilimitada para os que vêm do mundo para Jesus. Ele veio para salvar pecadores. O transporte do império das trevas para o reino de luz foi efetuado por Deus livremente.
Não foi o próprio Senhor Jesus que mandou que os seus seguidores perdoassem ofensores setenta vezes sete? Não seria voltar para o legalismo exigir uma vida santa que impõe um padrão de comportamento e atitudes de alguém que tomou sobre si o jugo de Cristo? Os donatistas do norte da África no século IV se separaram da Igreja Católica porque acharam que a igreja tinha que ser santa. Pessoas que cometeram pecados graves, tais como adultério, homicídio, ou negaram a fé na perseguição, somente poderiam ser perdoados se fossem martirizados.
Não será possível, nas limitações desta coluna, tratar a questão da disciplina na igreja mais profundamente. Uma vez que a igreja se fragmentou em milhares de denominações, não é possível banir definitivamente um cristão que pode se afiliar a outra igreja ou denominação. Ser excluído de uma igreja local não significa que todas as igrejas reconhecerão a disciplina. A tolerância continuará, se não em todas as igrejas evangélicas, pelo menos na grande maioria.
Fonte: Russel Shedd em Reflexões Diárias
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