Grande parte dos meninos que sofrem abuso sexual apresenta transtornos de gênero. A conclusão é de uma pesquisa realizada pelo Núcleo Forense do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. De acordo com a psicóloga Mery Oliveira, responsável pelo trabalho, esse tipo de violência impacta de maneira distinta, vítimas do sexo feminino e masculino.
- Na hora da experiência abusiva, os meninos foram usados, digamos assim, de forma que não é pertencente ao masculino. Por exemplo, a menina não tem que pensar se ela é menina, mesmo depois do abuso. Já o menino questiona: “Sou homem mesmo?”
Mas Mery destaca que a “diferença fundamental é que meninas não tendem a se tornar abusadoras”, ao contrário do que ocorre com os garotos. Ela acrescenta que, apesar de não ser regra, são frequentes os casos em que meninos molestados invertem o papel na adolescência e na fase adulta.
Para se ter uma ideia, dos 26 entrevistados (foram ouvidos adolescentes entre 16 e 18 anos), 12 admitiram já ter abusado sexualmente de crianças.
- Esse risco que minha pesquisa mostra, de o menino trocar o papel de vítima pelo de agressor é, na verdade, uma perpetuação da violência. Um ciclo que não se rompe a não ser com prevenção, tratamento de agressores. Não adianta prender. Se você não trata o agressor, ele vai para o presídio, onde não tem criança. Ele vai ficar legal. Mas, quando retorna para a sociedade e tem o estímulo da criança, a coisa complica. Se não for tratado, volta a agir – enfatiza Mery.
Outra conclusão importante do trabalho foi que os jovens apresentaram um significativo déficit de memória, o que, conforme a psicóloga, pode levar a uma dificuldade na hora de fazer a leitura da realidade.
- A situação de estresse que o abuso provoca produz um estado de alerta permanente. A criança nunca relaxa. Temos no sistema límbico um órgão chamado amígdala, que é responsável por situações de medo, de perigo. Então, vai haver uma sobrecarga desse órgão e isso traz distúrbios. O hipocampo faz parte desse sistema e ele terá mais morte neural, ou seja, mais neurônios vão morrer por causa do estresse. Isso pode modificar a arquitetura neural.
Confira a entrevista
Terra Magazine – Seu trabalho concluiu que as sequelas do abuso sexual na infância são diferentes em meninos e meninas?
- Na hora da experiência abusiva, os meninos foram usados, digamos assim, de forma que não é pertencente ao masculino. Por exemplo, a menina não tem que pensar se ela é menina, mesmo depois do abuso. Já o menino questiona: “Sou homem mesmo?”
Mas Mery destaca que a “diferença fundamental é que meninas não tendem a se tornar abusadoras”, ao contrário do que ocorre com os garotos. Ela acrescenta que, apesar de não ser regra, são frequentes os casos em que meninos molestados invertem o papel na adolescência e na fase adulta.
Para se ter uma ideia, dos 26 entrevistados (foram ouvidos adolescentes entre 16 e 18 anos), 12 admitiram já ter abusado sexualmente de crianças.
- Esse risco que minha pesquisa mostra, de o menino trocar o papel de vítima pelo de agressor é, na verdade, uma perpetuação da violência. Um ciclo que não se rompe a não ser com prevenção, tratamento de agressores. Não adianta prender. Se você não trata o agressor, ele vai para o presídio, onde não tem criança. Ele vai ficar legal. Mas, quando retorna para a sociedade e tem o estímulo da criança, a coisa complica. Se não for tratado, volta a agir – enfatiza Mery.
Outra conclusão importante do trabalho foi que os jovens apresentaram um significativo déficit de memória, o que, conforme a psicóloga, pode levar a uma dificuldade na hora de fazer a leitura da realidade.
- A situação de estresse que o abuso provoca produz um estado de alerta permanente. A criança nunca relaxa. Temos no sistema límbico um órgão chamado amígdala, que é responsável por situações de medo, de perigo. Então, vai haver uma sobrecarga desse órgão e isso traz distúrbios. O hipocampo faz parte desse sistema e ele terá mais morte neural, ou seja, mais neurônios vão morrer por causa do estresse. Isso pode modificar a arquitetura neural.
Confira a entrevista
Terra Magazine – Seu trabalho concluiu que as sequelas do abuso sexual na infância são diferentes em meninos e meninas?
Mery Oliveira – A diferença fundamental é que meninas não tendem a se tornar abusadoras também.
Necessariamente, os meninos se tornam adultos abusadores?
Não é uma regra. Mas encontrei um índice alto de meninos abusados na infância e que, na adolescência, estavam repetindo o papel do abusador. Isso é uma característica dos homens.
Por que isso ocorre?
É uma boa pergunta, que não tem uma resposta exata. O que a gente tem são hipóteses, como a questão da masculinidade, do poder. Tem também a questão do abuso. Na hora da experiência abusiva, os meninos foram usados, digamos assim, de uma forma que não é pertencente ao masculino. Por exemplo, a menina não tem que pensar se ela é menina, mesmo depois do abuso. Já o menino questiona: “Sou homem mesmo?”
Ele foi usado em um papel que não é de homem, dando prazer a outro homem. Isso faz com que ele questione a identidade de gênero. Muitos fazem esse questionamento, mas não é regra. Meninas, não necessariamente. Foram abusadas, mas continuam se sentindo como meninas.
Quais são as sequelas mais comuns no caso das meninas abusadas?
Não pesquisei meninas, mas há uma dose grande de trabalhos sobre elas na literatura. Sabemos que há hiperssexualidade, chegando à Síndrome de Borderline (um grave transtorno de personalidade). Não pesquisei meninas, mas, na minha experiência de atendimento de vítimas (Mary coordena grupo de assistência à vítimas de abuso do núcleo forense do IPq e é supervisora do núcleo de adolescentes da Fundação Casa), percebi que tendem mais a desenvolver depressão, anorexia, bulimia.
E os meninos, além da característica de se tornarem abusadores no futuro, quais as outras sequelas que costumam sofrer?
O que eu encontrei claramente dentro da minha pesquisa foram transtornos de identidade de gênero. Travestis, alguns deles querendo ser submetidos à cirurgia de mudança de sexo. Agora, houve, na minha pesquisa, uma minoria que não teve nada, mas é a minoria. Quarenta e oito por cento apresentavam problemas com a sexualidade na adolescência. Um número bastante significativo na amostra.
Encontrei também um déficit de memória bastante significativo. Ele pode levar a uma dificuldade na hora de fazer a leitura da realidade.
Por que isso acontece?
A situação de estresse que o abuso provoca produz um estado de alerta permanente. A criança nunca relaxa. Temos no sistema límbico um órgão chamado amígdala, que é responsável por situações de medo, de perigo. Então, vai haver uma sobrecarga desse órgão e isso traz distúrbios. O hipocampo faz parte desse sistema e ele terá mais morte neural, ou seja, mais neurônios vão morrer por causa do estresse. Isso pode modificar a arquitetura neural.
Quando a criança sofre abuso, o que é percebido inicialmente é um comportamento erotizado. Isso é o que costuma ser mais visível. Mas podem estar ocorrendo mudanças muito graves.
A descoberta da pesquisa, no que diz respeito ao comprometimento da memória da vítima de abuso sexual, é inédita?
No Brasil, a minha pesquisa, que avaliou aspectos, como estresse, memória… Há muito pouca coisa sobre meninos abusados. O que é difícil mesmo. Para mim, foi muito trabalhoso conseguir essa amostra.
Por quê?
Por que há pouca denúncia. As famílias tendem a encobrir quando um menino é abusado. Isso acontece pela vergonha, por achar que o menino tem alguma tendência homossexual. Há muito preconceito. A questão do machismo é muito forte. Então, as denúncias são bem menos frequentes.
Na minha dissertação, há dados sobre os registros feitos na Delegacia da Mulher. As denúncias envolvendo meninas são sempre muito maiores do que as que envolvem meninos. Não é que não exista. As pessoas não fazem denúncia. Não sabemos exatamente a proporção em que isso ocorre.
Esse risco que minha pesquisa mostra, de o menino trocar o papel de vítima pelo de agressor é, na verdade, uma perpetuação da violência. Um ciclo que não se rompe a não ser com prevenção, tratamento de agressores. Não adianta prender. Se você não trata o agressor, ele vai para o presídio, onde não tem criança. Ele vai ficar legal. Mas, quando retorna para a sociedade e tem o estímulo da criança, a coisa complica. Se não for tratado, volta a agir.
No que as conclusões tiradas da pesquisa vão poder ajudar nessa questão?
Em relação a uma parte desses meninos, pertencente à Fundação Casa, a gente já tem um trabalho lá. O Núcleo Forense do Hospital das Clínicas já tem um trabalho de saúde mental do adolescente. Estamos trabalhando para que esse menino, na hora de cumprir medida socioeducativa e voltar para sociedade, já esteja tratado.
O mesmo acontece no laboratório de vítimas de abuso, que coordeno. Tratamos exatamente para não acontecer essa troca de papel.
Como foi o processo de pesquisa?
Foram 26 voluntários, 20 dentro da Fundação Casa, onde dou supervisão, e seis se apresentaram voluntariamente. Foram meninos de 16 a 18 anos. Dos seis que se apresentaram voluntariamente, quatro já tinham abusado de outras crianças. A diferença é que eles não foram denunciados.
Além dos quatro que admitiram já ter abusado de crianças, entrevistados, quantos declararam praticaram violência sexual?
Metade da amostra, ou seja, 10 apresentavam comportamento sexualmente desviante. Dois com estupro e os demais com abuso sexual de crianças.
O resultado supreendeu a senhora?
Mais ou menos. Eu fiquei seis meses pesquisando na Penitenciária Sorocaba 2, que é específica para crimes sexuais. Tive bastante contato com essa população. Vi que havia muitos casos de abuso sexual, por isso resolvi pesquisar. Eu tinha experiência no tratamento de crianças abusadas e via esses adultos agressores. Pensei: “E o meio do caminho?” “Como é essa passagem de vítima para agressor?” Por isso a pesquisa é voltada para adolescentes. É importante dizer mais uma vez que o tratamento é fundamental. Sem ele, não vamos conseguir quebrar o ciclo da violência, não vamos ter poder de intervir.
Fonte: Ana Cláudia Barros no Terra Magazine
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