Quinton Aaron é Michael Oher, que saiu de Hurt Village para vencer a vida nos campos de futebol
Ao saber que a história de Um sonho possível, é verdadeira, o filme se torna muito mais interessante e comovente. Michael Oher (Quinton Aaron, que desabrocha ao longo do filme) é filho de mãe viciada em crack e sobrevive sozinho nas ruas de Memphis, sem teto, sem ambições e sem maldade. Podia ter sido corrompido pelos vizinhos do conjunto habitacional pobre onde cresceu (Hurt Village, em português, “Bairro da dor”), mas a retidão de sua nobre personalidade não permitiu.
Com a ajuda de um amigo, ele vai parar em uma escola cristã de brancos abastados. Ah, sim, Michael é negro e enorme. Tímido e calado, não consegue fazer amizades nem tirar boas notas. Sente-se um outsider – e quem não se sentiria? A bolsa estudantil veio pela aposta de que ele seria um bom esportista, afinal, sua performance em sala de aula sempre fora aquém do esperado. Mas Michael não era ignorante, os professores é que não entendiam sua realidade.
Certo dia, Leigh Anne Tuohy (Sandra Bullock em ótima performance, mas ainda não sei se digna de uma indicação ao Oscar) o encontra vagando pelo bairro da escola, onde seus filhos também estudam. Numa noite gelada, Michael, que vestia bermuda e camiseta, iria se abrigar no ginásio do colégio. Leigh Anne o leva para casa para passar a noite. O gesto de boa ação acaba tansformando a vida de todos os envolvidos. Michael começa a fazer parte da família. Todo o filme é permeado pela moral cristã de ajuda ao próximo. E pela passividade de Michael, tanto em relação ao futuro próspero, que começa a se fixar no futebol americano, quanto ao passado de abandono e sofrimento.
À esquerda, o Oher da ficção. No detalhe, o Oher real, que joga no Baltimore Ravens
Num dado momento, você acha que a harmonia da família Tuohy vai rachar, ou Michael vai trair sua moral. Não. Tudo se desenrola maravilhosamente bem, ainda que os conflitos existam. É uma história de superação.
Isso me incomodou um bocado. Mas, depois, pensei: é ótimo que haja famílias que praticam o bem, que investem em desconhecidos, que abrigam pessoas. Que bom que existam pessoas que aceitam tais benfeitorias e que bom que não seja fácil contaminar uma alma pura com sentimentos perversos. Alguma coisa me dizia que o mundo não era bom, mas a história de Michael mostra que ele pode ser um pouco “menos pior”.
Foi então que pensei em outro Michael – Michael Gerard Tyson, ou somente Mike Tyson. Assisti ao documentário Tyson no começo do ano – que já saiu de cartaz e não tive a oportunidade de escrever sobre. Tyson também cresceu em bairro pobre, era enorme e alvo de piadas na escola, mas, ao contrário de Michael Oher, foi cooptado pelo crime: de assalto a velhinhas ao tráfico de drogas. Foi na prisão que ele teve contato com o boxe. Livre, aos 13 anos, foi revelado por Cus D’Amato, que o tratou como um filho e um campeão. Para ele, Tyson jamais poderia perder uma luta – aplicou-lhe uma lavagem cerebral, que o boxeador levou para a vida adulta.
A sorte foi lançada a Mike Tyson. Junto com o sucesso e a fama, veio a sede de vitória e sangue. Aos 43 anos, ele parece uma criança vingativa. “Eu prometi que ninguém bateria em mim novamente”. Daí, sua vida se transformou em caos: um casamento imaturo que durou seis meses, humilhação em cadeia nacional ao lado da primeira mulher, um estupro mal explicado que rendeu mais três anos de prisão, a mordida na orelha de Evander Holyfield, a falência financeira, lutas perdidas porque foram disputadas apenas por dinheiro – sem falar na morte acidental da filha Exodus, de quatro anos, que não é citada no filme.
Na contramão da mente perturbada de Tyson, e de seu total descontrole sobre sua vida pessoal e financeira, está Michael Oher. Hoje ele tem 23 anos, é jogador profissional de futebol americano do Baltimore Ravens, que integra a liga nacional do esporte nos Estados Unidos (National Football League – NFL). O futuro nos dirá se ele seguiu o caminho do equilíbrio ou caiu na desgraça da fama e do poder. Espero que permaneça no primeiro.
Precious é outro filme que está em cartaz, concorre ao Oscar, e fala sobre a vida de uma adolescente negra, obesa e pobre dos Estados Unidos, que fica grávida pela segunda vez do próprio pai. Desgraça pouca é bobagem.
Se você se interessa por esportes, Invictus, que também é um dos concorrentes à estatueta do Oscar, fala sobre o preconceito na África do Sul e como o rúgbi serviu de símbolo de reconciliação para o país devastado pelo apartheid.
Um sonho possível é baseado no livro The Blind Side: Evolution of a Game, de Michael Lewis
Assista ao trailer de Um sonho possível:
Fonte: Revista Época
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Ao saber que a história de Um sonho possível, é verdadeira, o filme se torna muito mais interessante e comovente. Michael Oher (Quinton Aaron, que desabrocha ao longo do filme) é filho de mãe viciada em crack e sobrevive sozinho nas ruas de Memphis, sem teto, sem ambições e sem maldade. Podia ter sido corrompido pelos vizinhos do conjunto habitacional pobre onde cresceu (Hurt Village, em português, “Bairro da dor”), mas a retidão de sua nobre personalidade não permitiu.
Com a ajuda de um amigo, ele vai parar em uma escola cristã de brancos abastados. Ah, sim, Michael é negro e enorme. Tímido e calado, não consegue fazer amizades nem tirar boas notas. Sente-se um outsider – e quem não se sentiria? A bolsa estudantil veio pela aposta de que ele seria um bom esportista, afinal, sua performance em sala de aula sempre fora aquém do esperado. Mas Michael não era ignorante, os professores é que não entendiam sua realidade.
Certo dia, Leigh Anne Tuohy (Sandra Bullock em ótima performance, mas ainda não sei se digna de uma indicação ao Oscar) o encontra vagando pelo bairro da escola, onde seus filhos também estudam. Numa noite gelada, Michael, que vestia bermuda e camiseta, iria se abrigar no ginásio do colégio. Leigh Anne o leva para casa para passar a noite. O gesto de boa ação acaba tansformando a vida de todos os envolvidos. Michael começa a fazer parte da família. Todo o filme é permeado pela moral cristã de ajuda ao próximo. E pela passividade de Michael, tanto em relação ao futuro próspero, que começa a se fixar no futebol americano, quanto ao passado de abandono e sofrimento.
À esquerda, o Oher da ficção. No detalhe, o Oher real, que joga no Baltimore Ravens
Num dado momento, você acha que a harmonia da família Tuohy vai rachar, ou Michael vai trair sua moral. Não. Tudo se desenrola maravilhosamente bem, ainda que os conflitos existam. É uma história de superação.
Isso me incomodou um bocado. Mas, depois, pensei: é ótimo que haja famílias que praticam o bem, que investem em desconhecidos, que abrigam pessoas. Que bom que existam pessoas que aceitam tais benfeitorias e que bom que não seja fácil contaminar uma alma pura com sentimentos perversos. Alguma coisa me dizia que o mundo não era bom, mas a história de Michael mostra que ele pode ser um pouco “menos pior”.
Foi então que pensei em outro Michael – Michael Gerard Tyson, ou somente Mike Tyson. Assisti ao documentário Tyson no começo do ano – que já saiu de cartaz e não tive a oportunidade de escrever sobre. Tyson também cresceu em bairro pobre, era enorme e alvo de piadas na escola, mas, ao contrário de Michael Oher, foi cooptado pelo crime: de assalto a velhinhas ao tráfico de drogas. Foi na prisão que ele teve contato com o boxe. Livre, aos 13 anos, foi revelado por Cus D’Amato, que o tratou como um filho e um campeão. Para ele, Tyson jamais poderia perder uma luta – aplicou-lhe uma lavagem cerebral, que o boxeador levou para a vida adulta.
A sorte foi lançada a Mike Tyson. Junto com o sucesso e a fama, veio a sede de vitória e sangue. Aos 43 anos, ele parece uma criança vingativa. “Eu prometi que ninguém bateria em mim novamente”. Daí, sua vida se transformou em caos: um casamento imaturo que durou seis meses, humilhação em cadeia nacional ao lado da primeira mulher, um estupro mal explicado que rendeu mais três anos de prisão, a mordida na orelha de Evander Holyfield, a falência financeira, lutas perdidas porque foram disputadas apenas por dinheiro – sem falar na morte acidental da filha Exodus, de quatro anos, que não é citada no filme.
Na contramão da mente perturbada de Tyson, e de seu total descontrole sobre sua vida pessoal e financeira, está Michael Oher. Hoje ele tem 23 anos, é jogador profissional de futebol americano do Baltimore Ravens, que integra a liga nacional do esporte nos Estados Unidos (National Football League – NFL). O futuro nos dirá se ele seguiu o caminho do equilíbrio ou caiu na desgraça da fama e do poder. Espero que permaneça no primeiro.
Precious é outro filme que está em cartaz, concorre ao Oscar, e fala sobre a vida de uma adolescente negra, obesa e pobre dos Estados Unidos, que fica grávida pela segunda vez do próprio pai. Desgraça pouca é bobagem.
Se você se interessa por esportes, Invictus, que também é um dos concorrentes à estatueta do Oscar, fala sobre o preconceito na África do Sul e como o rúgbi serviu de símbolo de reconciliação para o país devastado pelo apartheid.
Um sonho possível é baseado no livro The Blind Side: Evolution of a Game, de Michael Lewis
Assista ao trailer de Um sonho possível:
Fonte: Revista Época
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