quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Perigos de um pastor sem vocação

Quando comecei a pegar gosto por frequentar igreja evangélica, não demorou muito para eu começar a analisar as pregações e pensar:

“ Consigo pregar melhor que este cidadão... tenho mais cursos, boa dicção, melhor oratória, mais tempo de leitura, absorvo melhor os contextos... e essa minha humildade que me permite ser mais do que qualquer um daqui...”

Não demorou muito para que eu fosse convidado a pregar, não em minha igreja, mas em um imenso templo, onde engasguei após ter me preparado tanto, e gaguejei diante dos olhares daquela multidão de gente paciente. Poucas vezes, cinco minutos se prolongaram tanto.

Mesmo assim, persisti, estudando mais e mais, com um impulso que parecia nascer dentro de minha alma. Havia uma necessidade, uma fome, mas o orgulho de me achar melhor – que parecia me impulsionar - parecia nublar determinados pontos. Era como se tudo que eu dissesse não soasse sincero (o que realmente não era). Parafraseando C. S. Lewis, falar de perdão é super fácil, até que você precise perdoar coisas imperdoáveis. Falar de amor a inimigos, na teoria, é simples: existem milhares de bons textos que nos animam a isso, até que o seu opositor te agride com a truculência possível.

Isso, com o tempo, me levou a uma encruzilhada sobre minha real vocação. Ainda mais quando conheci um candidato a pastor que, ao conhecer minha crise existencial de não viver o que pregava e querer pregá-la, avisou: “Mas nós não podemos viver o que pregamos. Seria como uma enfermeira se compadecer com todos os doentes que trata...”

Parecia que falávamos de uma preparação intelectual (que já tentara e não funcionou) onde arrebanhávamos vidas como em uma linha de produção. Um uniforme que visto ao sentar numa sala, para aconselhar e preparar pregações com este ou aquele objetivo, seja ele aumentar membresia ou aumentar a arrecadação para a reforma do telhado.

Isso é o efeito quando não há vocação: o fardo da ingratidão alheia será insuportável. Certamente, terei de ter outros estimulantes que não são o amor incondicional pelas almas. Tem de haver um preço para que não me veja em prejuízo.

Se não há vocação, a alma não sentirá a dor daqueles que choram, dos depressivos suicidas, das mocinhas grávidas pelo sexo casual, dos que lutam e são derrotados por sua própria sexualidade.
Sem vocação, tudo isso fará parte de um contexto onde o lucro da obra é baseado na expansão da igreja-franquia, e meu rendimento para o Reino (que é reino, com letra minúscula) pode ser medido em uma planilha, com a projeção gráfica, em meses e anos, do "empreendimento" santo.

A longo prazo, ficarei cínico e fingirei que me importo com a dor alheia – por fazer parte do nobre ofício, mas sempre dentro dos horários comerciais.

A patologia que alimenta um viver do Evangelho, a parte do que o Mestre ensinou, não tarda, nos faz ouvir: “lobo em pele de cordeiro”. Certamente, seremos como aqueles que tentam entrar pela janela e não se importam de sentar em uma mórbida e confortável poltrona, feita de vidas alheias.


Fonte: Zé Luís no Cristão Confuso
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