segunda-feira, 11 de julho de 2011

Filho de político deveria estudar em escola pública?

O senador Cristovam Buarque diz que sim e defende uma lei para isso; críticos afirmam que, se o político pode pagar, melhor deixar a vaga pública para quem não pode.
Se todos os filhos de políticos estudassem nas escolas públicas, a qualidade da educação seria melhor? O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirma que sim. E tenta convencer seus colegas. Está em análise há quase quatro anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado um curioso projeto de lei (PL 480/2007) de autoria de Cristovam que estabelece que todo político eleito no Brasil nos âmbitos federal, estadual ou municipal matricule, obrigatoriamente, seus filhos na rede de ensino público. O objetivo: incentivá-los a investir mais não apenas na educação, mas na qualidade de outros serviços públicos.

Na semana passada, o debate voltou à tona após um grupo divulgar pelo facebook o texto e a ideia do projeto de lei. No total, mais de 52 mil pessoas já assinaram uma petição online apoiando o PL 480. O senador Cristovam afirma que o apoio da sociedade é a principal arma que tem para conseguir uma aprovação mais rápida do projeto na CCJ.

“Não é decente a gente usar o serviço privado se nós somos os que devemos cuidar do serviço público”, afirma o senador. Segundo ele, os parlamentares brasileiros protegem-se da má qualidade do ensino público usando o setor privado. “Isso é falta de decoro, e se é falta de decoro, pode levar a uma cassação”, diz.

A principal resistência encontrada pelo senador Cristovam está justamente na obrigatoriedade que propõe. Segundo ele, senadores argumentaram que sua proposta é anticonstitucional por ferir o livre arbítrio. Um dos críticos de seu projeto é o senador Aníbal Diniz (PT-AC). “Se houvesse essa obrigatoriedade, significaria que os filhos daqueles que estão em condição de pagar por uma escola particular estariam competindo em vagas que poderiam ser destinadas a quem realmente precisa“, afirma Diniz, que tem duas filhas em idade escolar, ambas matriculadas em instituições particulares.

“Só que ninguém é obrigado a ser candidato. Ninguém é obrigado a ser parlamentar. Quando você escolhe ser parlamentar, você assume alguns compromissos”, disse Cristovam. A resistência, porém, causou a paralisação do projeto.

“O Estado tem que dar assistência especial àqueles que têm mais dificuldade de ter acesso aos próprios serviços públicos. Mas é claro que temos que defender a melhora na qualidade do serviço. Agora, obrigar políticos a matricular seus filhos em escola pública me parece que tem um quê de autoritarismo”, afirma o senador Diniz.

Ao relator da proposta, senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), Cristovam já sugeriu a convocação de uma audiência pública, para que o povo possa opinar sobre o assunto. Se os senadores não dão um parecer, que a sociedade o desse, diz. “Esse projeto não vai ser rediscutido se não houver pressão de fora do Congresso”, diz. Mas a ideia não foi acatada e o PL 480 já está parado há 44 meses. “Não tenho a menor dúvida de que (o projeto) teria grande impacto na qualidade do ensino. As crianças dos parlamentares chegariam em casa dizendo como é a escola. Eles passariam a sofrer na própria pele”, afirma Cristovam. Sofrer porque o próprio senador reconhece que o ensino público no Brasil está longe de ser bom. “O Brasil se acostumou com essa história de serviço privado.”

O senador Diniz, porém, diz acreditar que o compromisso que cada político tem que ter com a educação vai muito além do compromisso de matricular o filho na escola pública. “O que considero é que a defesa do ensino público de qualidade é missão obrigatória de todo ocupante de mandato público ou de cargo eletivo. Independente de o filho estar ou não matriculado em escola pública”, diz.

O senador Cristovam afirma que o problema está na cultura brasileira. “Os maiores investidores da bolsa de valores dos EUA saem de casa e vão para o trabalho de metrô. Na França, é muito raro qualquer pessoa matricular o filho numa escola particular. E no Brasil você nem imagina uma coisa dessas”, afirma. Para Cristovam, é uma questão que teria de ser contornada com a obrigatoriedade legal. “Eu quero ser obrigado. Ou então, eu faço a escolha: não vou sacrificar meus filhos, não quero mais ser político.”

Hoje, o cidadão paga impostos e dá dinheiro público para que os políticos matriculem seus filhos em escolas caras, afirma o senador. “Nós descontamos de Imposto de Renda o que se gasta com a escola particular e com a saúde privada”, diz. “Não é uma questão meramente de qualidade de ensino, mas de compromisso ético.”

Mas Diniz enxerga nessa proposta um problema que vai além da questão moral: há uma questão de falta de vagas para todos. “Eu acho que, na medida do possível, a gente utilizar o serviço público é justo”, afirma Diniz. “Mas imagina quantas escolas públicas seriam necessárias para comportar mais todos os filhos de políticos. Se eu tenho 60 mil ocupantes de mandato que estão em condição de bancar o ensino dos filhos, são 60 mil vagas que abrem.”

Cristovam defende não apenas a obrigatoriedade do uso da rede de ensino público, como quer que todos os políticos sejam obrigados a usar os serviços de saúde públicos também. Aníbal Diniz também discorda: “se eu tenho a possibilidade de ter um plano de saúde por questão de segurança maior, é claro que eu vou ter, mas a minha luta é para garantir um serviço de qualidade para todos.”

O senador Cristovam Buarque já não tem filhos em idade escolar, como seu colega Diniz, mas questionado sobre o que faria caso a lei fosse aprovada e tivesse filhos estudando, respondeu: “Eu quero que tenha uma lei que me obrigue, senão é claro que eu não vou usar (o serviço público). Precisa-se da lei exatamente para me obrigar”. “Com essa lei, a gente tira essas pessoas do cargo de zelarem pela coisa pública. Isso resume tudo. Não é possível que os que zelam pela coisa pública se protejam atrás do setor privado! Isso, sim, é incoerente”, afirma Cristovam.

Diniz retruca: “Entendo que uma forma de contribuir com o ensino público é poder garantir as vagas para quem verdadeiramente necessita. Não vejo como ausência de decoro você não estar com seu filho matriculado na escola pública, mas eu entendo como sendo uma atitude até respeitosa para com aqueles que necessitam dessa vaga na escola pública”.

Fonte: Época
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