Estamos vivendo num tempo onde temos presenciado a divinização do pastor ou do líder da igreja. Antes de outras considerações, voltemos no tempo por um breve espaço. No passado o pastor ocupava um lugar de destaque em sua igreja local, denominação e em sua cidade. Ele se ocupava principalmente em alimentar bem o seu rebanho, administrar a igreja, pregar, evangelizar e fazer visitas pastorais.
O pastor era um sujeito pacato, trabalhador e cumpridor de suas obrigações. Não possuía grandes ambições, deixava que o conselho determinasse seu salário e morava na casa da igreja que servia também de ponto de apoio para os crentes que vinham ao centro da cidade. Era bem visto por todos e gozava de respeito e boa reputação.Com o passar dos tempos o pastor evoluiu (até para comprovar a teoria de Darwin, o que é uma ironia). A primeira evolução se deu quanto a sua auto-estima. Mudou a linguagem a seu respeito. O título de pastor ou reverendo ficou pequeno e já não cabia para nominar esse nobre filho de Deus. Passou a ser referido como aquele que tem a autoridade, tem o cajado, o anjo da igreja, o ungido de Deus, o profeta de Deus, o mensageiro do Senhor e tantos outros.Dessa auto-estima agora revigorada para uma opulência material foi apenas questão de tempo. Se nos idos da minha adolescência o pastor andava com seu Fusca, isso quando era pastor da igreja central, agora como filho do Rei ele não pode se contentar com menos do que um BMW, um Mercedes, Audi, ou outro carro que confira o status digno do cargo que ocupa. O pastor, antes aquele servo de todos, passa agora a ser senhor de todos (leia A Revolução dos Bichos, de George Orwell). Ele manda e desmanda, dita ordens, impõe respeito com o seu cetro de ferro, diz quem pode namorar e com quem, quem vai casar e com quem, quando e onde. Autoriza viagens, decide qual casa o crente deve comprar, que carro dirigir, que escola colocar os filhos, com quais amizades deve romper.
O pastor assumiu o controle financeiro do seu crente, pede, ordena, exige que muito dinheiro seja dado na igreja justificando tudo em nome de Deus, do ministério, da evangelização, das almas que se perdem. Oferece em troca os favores divinos, as mansões celestes, o prazer terreno, uma vida sem dores e sofrimentos. Aliás, isso é tudo o que um crente e qualquer outro ser humano desse tempo querem: uma vida cheia de vitórias, alegrias e triunfos, e, se possível, sem perdas ou sofrimento algum.
O culto, por sua vez, é dividido em três partes: o louvor, composto de uma repetição sem fim dos chamados "cânticos espirituais", convida o público a "namorar" Jesus, a sentar no seu colo e sentir seu calor, num estado de quase transe emocional. O ofertório (imenso) é o momento de textos fora do contexto para justificar pedidos de polpudas ofertas com taxa de retorno maior que prometiam o pessoal do "Boi Gordo", com direito a uso de cartão de crédito ou débito. A palavra, sempre voltada a um evangelho triunfalista e reivindicatório que obriga Deus a atender todos os pedidos dos fiéis sob pena da não mais contribuir com o seu "reino aqui na Terra".
A música é outro ponto que merece destaque. Com o aumento da chamada população evangélica, o mercado de cd’s tornou-se verdadeira mina de dinheiro para um seleto grupo que tem construído verdadeiros impérios financeiros, produzindo música de questionável qualidade técnica e duvidosa qualidade teológica. Esses grupos têm gravadoras, rádios, empresas de comunicação, editoras, agências de turismo, etc, tudo isso para "explorar" o emergente e ávido mercado dos irmãos...
Também merece atenção o lastimável envolvimento de denominações e de igrejas locais com o sistema político vigente, alguns chegando ao ponto de serem eleitos a fim de representar a Igreja de Cristo junto ao Estado como se o Deus Todo-Poderoso, que rege o universo, dependesse de um senador ou deputado para implantar Seu Reino na Terra. O cristianismo de nossos tempos procura desconectar-se completamente da realidade do sofrimento e da renúncia ou da vida abnegada. Jesus não veio eliminar as dores, mas ajudar-nos a enfrentá-las com o realismo e a esperança que a vida nesse mundo requer, na perspectiva da graça e do amor de Deus, que padece junto com o sofrimento da humanidade. Isso está no Evangelho, não se trata de invencionice humana. Mas quem disse que o que é genuinamente do Evangelho atrai as pessoas de hoje, tão desejosas que estão de felicidade a qualquer preço? O pastor, sabendo bem disso, tem se transformado num contorcionista do "evangelho": torce, retorce, repuxa, e transforma a mensagem em algo mais bonito e aceitável, e ainda chama isso de "evangelho pleno". O pastor divinizou-se, aceitou o oferecimento da serpente. Se o pastor é agora um ser divino, para que o seu "ministério" se realize ele não medirá esforços para demonizar o seu crente. O crente, há algumas décadas atrás, somente tinha olhos para a sua igreja, onde freqüentava com assiduidade a escola dominical, cultos, a reunião de oração da terça-feira à tarde e o culto da quarta-feira à noite. Havia ainda uns cultos evangelísticos nos lares, onde um presbítero ou diácono se encarregava de realizar os trabalhos.Contudo, semelhantemente ao que ocorreu com o pastor, também o crente evoluiu. Deixou de ser aquela pessoa retrógrada, esquisita, que estava sempre evangelizando as vizinhas, que cumpria seus compromissos, que não comprava a prazo e, se comprasse, saldava suas prestações. Era respeitado como honesto, trabalhador e pessoa de fino trato. Hoje o nosso crente é urbano, acompanha a moda, não perde o Big Brother BBB, novelas, não incomoda os vizinhos com mensagens bíblicas e nem fica distribuindo Bíblias e folhetos. Tornou-se muito inteligente, pois prefere não somente o céu, mas também o melhor da Terra.Apesar de tudo isso, os pastores e líderes divinizados fazem de tudo para demonizar o crente lembrando-lhe dos seus defeitos, mazelas e faltas. Lava o cérebro do crente martirizando-o quanto a sua falta de fé, oração débil, e compromisso financeiro sem coragem. Quanto mais demonizado é o crente, mais necessário se faz a presença de um líder divino. Um dos objetivos do pastor deveria ser o de gerar filhos na fé bem nutridos, maduros, que pudessem caminhar com as próprias pernas, sem necessitar de cabresto ou leitinho "espiritual" na boca; de tal modo que, num futuro não muito longínquo, pudessem debater com seu pastor de igual pra igual, sem hierarquia, não só sobre bíblia e teologia como sobre a vida de modo geral. É o mestre sendo alcançado e até superado pelo discípulo. Logo, o crente moderno sofre de inanição espiritual, tornando-se cada vez mais oco, cujo fim do abismo ainda está longe de ser encontrado. Por ser um tolo e ignorante do projeto de Deus para a sua vida, ele permite que um outro exerça o controle sobre sua vida ao ponto de cegar o seu entendimento. Perde a autocrítica e, como num passe de mágica, deixa de existir. Não pode rebelar-se contra os ensinos do pastor-deus. Tem medo de ser castigado e de perder as bênçãos. Finalmente, não aceitando a dignidade ofertada por Cristo, apanha com as mãos cheias aquilo que o Cristo rejeitou da serpente quando foi tentado no deserto, quem sabe focado na "restituição" prometida, riqueza e prosperidade material – aberrações dessa época.Por isso, cremos que antes de orar por um avivamento é necessário reformar a igreja. Deus precisa levantar homens e mulheres que não se rendam a esse jogo sujo e medíocre chamado por muitos de "evangelho", pois não se trata do Evangelho de Cristo. E não sendo o Evangelho de Cristo, você não precisa (nem deve) se comprometer com ele e nem se acovardar em denunciá-lo.