terça-feira, 1 de novembro de 2011

No Silêncio, Deus fala

Quando estamos magoados, às vezes encontramos a cura falando sobre essa mágoa – com um amigo, com um conselheiro, com Deus. Mas, por fim, chega o momento de parar de falar e começar a ouvir. Há vezes em que falar é violar o momento... Nesses casos, o silencio representa o maior respeito. O termo que mais bem define instantes como esses é reverência.

Essa foi uma lição que Jó, - o homem na Bíblia mais tocado pela tragédia e pelo desespero – aprendeu. Se Jó tinha um defeito, seu defeito era a língua. Ele falava demais. Não que alguém pudesse culpá-lo; a calamidade lançou-se sobre o homem como uma leoa sobre um bando de gazelas, e, quando o alvoroço passou, mal havia restado uma parede em pé ou um ente querido com vida. Os inimigos mataram o gado de Jó, e relâmpagos destruíram suas ovelhas. Ventos fortes deixaram sob os escombros seus filhos que faziam festa.

Jó sabia como era perder aqueles a quem amava quando a casa veio abaixo. Jó nem teve tempo de enterrar seus filhos antes de ver a lepra em suas mãos e as terríveis feridas em sua pele. Sua esposa, ainda que muito compassiva, lhe disse: “Amaldiçoe a Deus, e morra”. Seus quatros amigos se aproximaram de seu leito como sargentos instrutores, dizendo-lhe que Deus é justo e que a dor é conseqüência do pecado, e que, tão certo quanto dois mais dois são quatro, Jó devia ter algum antecedente criminal em seu passado para sofrer assim. Cada um tinha sua própria interpretação de Deus, e cada um falava em alto e bom som sobre quem é Deus e por que Deus fizera aquilo tudo. Eles não foram os únicos a falar sobre Deus. Quando os acusadores de Jó pararam, Jó deu sua resposta. De um lado para o outro eles andavam...

Jó abriu a boca... (3.1)

Então respondeu Elifaz, de Temã... (4:1)

Então Jó, respondeu... (6.1)

Então Bildade, de Suá, respondeu... (8.1)

Então Jó, respondeu..... (9.1)

Então Zofar, de Naamate, respondeu... (11.1)

Este pingue-pongue verbal se estende por 23 capítulos. Por fim, Jó fica cheio dessas “respostas”. Chega de conversa fiada em grupo! É hora de fazer um discurso importante. Ele segura o microfone com uma mão e o púlpito com a outra, e começa. Por seis capítulos, Jó da suas opiniões sobre Deus. Desta vez, o capitulo começa com: “E Jó prosseguiu”, “E Jó prosseguiu”, “E Jó prosseguiu”. Ele define Deus, explica Deus, examina Deus. Tem-se a impressão de que Jó sabe mais sobre Deus do que o próprio Deus!

Chegamos ao capitulo 37 do livro antes de Deus limpar a garganta para falar. O capitulo 38 começa com estas palavras: “Então o SENHOR respondeu a Jó”. Se a sua Bíblia for igual a minha, há um erro nesse versículo. As palavras estão perfeitas, mas o tamanho da fonte está errado. As palavras deveriam ser assim: ENTÃO O SENHOR RESPONDEU A JÓ! Deus fala. Rostos se voltam para o céu. Ventos inclinam as arvores. Os vizinhos se lançam nos abrigos para tempestades. Gatos sobem correndo nas arvores e cachorros se enfiam no meio das moitas. “Está ventando, querido. Melhor tirar os lençóis do varal.” Deus não precisou abrir mais a sua boca para falar que Jó soubesse que deveria manter a sua fechada.

Vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá.

“Onde você estava, quando lancei os alicerces da terra?

Responda-me, se é que você sabe tanto. Quem marcou os limites das suas dimensões?

Talvez você saiba! E quem estendeu sobre ela a linha de medir? E os seus fundamentos, sobre o que foram postos?

E quem colocou sua pedra de esquina, enquanto as estrelas matutinas juntas cantavam e todos os anjos se regozijavam?” (38.3-7)

Deus inunda o céu de perguntas e Jó não pode deixar de fazer outra coisa senão entender: somente Deus define Deus. Você precisa conhecer o alfabeto antes de poder ler; e Deus diz para Jó: “Você nem conhece o ABC do céu, muito menos tem vocabulário”. Pela primeira vez, Jó fica quieto. Silenciado pela enxurrada de perguntas.

Você já foi até as nascentes do mar, já passeou pelas obscuras profundezas do abismo?

Acaso você entrou nos reservatórios de neve, já viu os depósitos de saraiva?

É você que dá força ao cavalo ou veste o seu pescoço com sua crina tremulante?

Você o faz saltar como gafanhoto?

É graças à inteligência que você tem que o falcão alça vôo e estende as asas rumo ao sul? (38.16,22; 39.19,20, 26)

Jó mal tem tempo para balançar a cabeça em resposta a uma pergunta antes de outra lhe ser feita. A implicação do Pai é clara: “Assim que você for capaz de lidar com estas simples questões relacionadas a armazenar estrelas e esticar o pescoço do avestruz, teremos uma conversa sobre dor e sofrimento. Mas, até lá, não precisamos de seus comentários”.

Jó entendeu a mensagem? Acho que sim. Ouça a resposta de Jó: Sou indigno; como posso responder-te? Ponho a mão sobre a minha boca. (40.4)

Observe a mudança. Antes de ouvir Deus, Jó não conseguia falar o suficiente. Depois de ouvir Deus, ele não conseguia falar nada. O silêncio era a única resposta adequada. Houve um tempo na vida de Thomas Kempis em que ele, também, cobriu sua boca. Ele havia escrito muita coisa sobre o caráter de Deus. Mas, um dia, Deus o confrontou com tamanha graça santa que, daquele momento em diante, todas as palavras de Kempis “passaram a parecer palha”. Ele deixou de lado a caneta e nunca mais escreveu outra linha. Ele pôs a mão sobre sua boca.

O termo usado para tais momentos é reverência. Jesus ensinou-nos a orar com reverência ao exemplificar para nós o “Santificado seja o teu nome”. Essa frase é uma petição, não uma declaração. Um pedido, não um anuncio. “Sê santificado, Senhor. Faze o que for preciso para ser santo em minha vida. Ocupa o teu legitimo lugar no trono. Exalta-te. Engrandece-te. Glorifica-te. Sê Senhor, e eu ficarei em silencio.”

A palavra santificado vem da palavra santo, e a palavra santo significa “separar”. A origem da palavra pode ser remontada a uma palavra antiga que significa “cortar”. Ser santo, então, é estar acima da norma, ser superior, ser extraordinário. O santo habita um nível diferente daquele em que o restante de nós vive. O que nos assusta não o assusta. O que nos preocupa não o preocupa.

Sou mais um apreciador da terra firme do que um marinheiro, mas já andei de barco o suficiente para saber qual é o segredo para encontrar terra em meio a uma tempestade... Você não mira outro barco; é claro que não fita as ondas; tem em perspectiva um objeto não afetado pelo vento – uma luz na praia – e vai em direção a ela. A luz não é afetada pela tempestade.

Ao buscar Deus, você faz o mesmo. Quando você tem em perspectiva o nosso Deus, se concentra naquele que vence qualquer tempestade que a vida pode trazer. Como Jó, você encontra paz na dor.

Como Jó, você cobre sua boca e fica quieto.

“Parem de lutar! Saibam que eu sou Deus!” (Salmos 46.10). Esse versículo contém um mandamento com uma promessa.

Qual o mandamento? Parem de lutar. Cubram a boca. Dobrem os joelhos.

Qual a promessa? Vocês saberão que eu sou Deus.

O barco da fé viaja em águas tranqüilas. A crença anda nas asas da espera.

Em meio as suas tempestades diárias, e nesta tempestade que assolou nosso país e até o mundo inteiro, faça questão de ficar quieto e de ter Deus em perspectiva. Deixe que Deus seja Deus. Deixe que Ele o banhe em sua gloria para que tanto seu fôlego como seus problemas sejam absorvidos de sua alma. Fique quieto. Fique em silencio. Esteja aberto e disposto. Reserve um momento para ficar quieto e saber que ele é Deus.


Fonte: Max Lucado no livro Dias Melhores Virão
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