NO PÚLPITO: O pastor e seu rebanho, em foto para a ISTO É.
O púlpito da igreja Assembleia de Deus dos Últimos Dias (Adud) era o centro das atenções. Diante de 800 pessoas humildes, o líder e fundador da congregação, o pastor Marcos Pereira, esconjurava o demônio, como faz todo sacerdote evangélico, em uma quarta-feira de janeiro. Em determinado momento, o religioso deu uma pausa e conclamou, ao microfone: “Peço aos criminosos convertidos que estão aqui para vir ao palco fazer uma foto para a revista ISTOÉ”. De repente, como em uma romaria, homens começaram a se levantar de todos os lados da igreja e a andar em direção ao pastor. Na tropa de mais de 50, alguns chamavam a atenção por serem ainda adolescentes. Todos são ex-assassinos, traficantes, drogados ou ladrões transformados, hoje, em pessoas com aparência inofensiva e sempre dispostas a falar de Cristo. A Igreja está localizada na Baixada Fluminense, território do Rio de Janeiro marcado pela violência. O pastor encerrou a pregação puxando uma música gospel cuja letra se conecta diretamente com aqueles homens: “Eu, que era ovelha perdida, hoje tenho nova vida, caminhando com Jesus.” Pelas contas de Marcos Pereira, 53 anos, ele e seus missionários – entre os quais o ex- pagodeiro Wagner Dias Bastos, o Waguinho, exvocalista do grupo “Os Morenos” e hoje braço direito do pastor – já recuperaram mais de cinco mil bandidos e viciados nos últimos 20 anos. Alguns eram famosos e temidos chefões do tráfico, como José Amarildo da Costa, o Maílson do Dendê, que, junto com o irmão Milton Romildo Souza da Costa, o Miltinho do Dendê, chefiou o crime organizado na Ilha do Governador, nos anos 90. “O Rio de Janeiro não está pior graças a mim”, exagera o pastor, no seu estilo sensacional e sensacionalista. Mas é fato que é o único a entrar com seus obreiros em lugares tão perigosos que a própria polícia só incursiona após um planejamento prévio. Em contato com os bandidos, Pereira consegue, muitas vezes, convencê-los a trocar o fuzil pela “Bíblia”.
BRAÇO DIREITO: O ex-pagodeiro Waguinho na fazenda onde os bandidos são recuperados
Mas seus métodos são polêmicos. O pastor filma a conversão de criminosos em bocas de fumo e também o resgate dos sentenciados à morte pelo tráfico, normalmente após bárbaras torturas e à beira da execução. Em seguida, vende os DVDs com essas imagens. Diz que, assim, sustenta a Igreja. “Ninguém me ajuda”, reclama Pereira, que estima em R$ 200 mil mensais as despesas com o tratamento dos regenerados. Segundo ele, o mais importante é ter salvado em torno de 700 condenados à morte pelos traficantes. Seu estilo midiático de trabalhar acaba despertando mais suspeitas do que admiração. Alguns dizem que ele ajuda a lavar dinheiro do tráfico, outros o acusam de fazer marketing de sua missão. Ele nega. Há anos, é alvo de investigação das polícias Estadual e Federal, mas nada foi provado. “É tudo safadeza. A polícia me persegue”, reage. Em meio a tantas suspeitas, ele responde a apenas duas ações por crimes ambientais por destruir parte da vegetação da reserva biológica de Tinguá, Nova Iguaçu, onde fica a fazenda Vida Renovada, usada para recuperar os bandidos arrependidos. A doutrina de sua Igreja é arcaica. Talvez por isso, o cantor Marcelo Pires Vieira, o Belo, tenha desistido de se converter, apesar de ter sido presença certa em todos os cultos comandados por Pereira quando ele visitava a cadeia onde o artista cumpria pena por associação com o tráfico de drogas, em 2008. De fato, as regras são extremamente rigorosas. O pastor proíbe a leitura de jornais e revistas, assim como recomenda aos fiéis que não assistam à tevê, não usem as cores vermelha e preta, não tenham plantas e nem criem animais, nem sequer mantenham bichos de pelúcia em casa.
Pastor orando com fiel
Segundo ele, o demônio se esconde em todas essas coisas. Tomar Coca-Cola também é proibido, pelo fato de a fórmula do refrigerante não ser conhecida. As mulheres só podem usar roupas que não marquem o corpo e, os homens, calças e camisas de manga comprida. Banhos de mar ou piscina e a prática de esportes só podem ocorrer com as pessoas vestidas. Talvez por isso tenha dificuldade de engordar o rebanho. Adud tem apenas 1,5 mil fiéis em cinco cidades. Pereira ganhou notoriedade em 2004 quando, a pedido do então governador Anthony Garotinho, negociou a rendição de detentos amotinados na Casa de Custódia de Benfica, que ameaçavam matar os reféns. “Essa intimidade com traficantes levanta dúvidas, em quem não o conhece, sobre o comprometimento dele com os bandidos”, analisa o cientista social Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança. Apesar de não concordar com a metodologia do pastor, Soares reconhece a importância e seriedade do trabalho. O pastor Marcos é uma das poucas pessoas que transitam em todas as favelas cariocas, independentemente da facção criminosa que a controla. O que é um fenômeno e tanto, pois a realidade do Rio ensina que quem frequenta área dominada por uma quadrilha não pode ingressar na favela da facção rival, nem para visitar parentes, sem correr o risco de morte. “Pensava que ele ia à favela ver as coisas e depois caguetar para os inimigos”, conta Alexandre Vieira Pacheco, 33 anos, que não gostava dopastor quando era segurança das bocas de fumo da Favela de Acari.
FÃ: preso em 2008, o cantor belo, era presença certa nos cultos na cadeia
Pacheco foi convertido há cinco anos. Para militantes da ONG Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Pereira poderia, graças a seu trânsito livre em favelas, ter ações mais humanitárias, como denunciar as condições subumanas em que vivem os presos ou as arbitrariedades praticadas pela polícia. “Para nós, que temos como foco principal a questão dos direitos humanos, o trabalho do pastor Marcos Pereira não soma nada”, afirma o engenheiro Maurício Campos, 47 anos, militante da Rede. “A melhor forma de recuperar um preso é se esforçar para que a Lei de Execuções Penais seja cumprida”, diz. Representantes da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa também reclamam dos métodos do pastor, explicando que quando Pereira prega que não foi o homem que roubou, traficou ou matou, mas põe a culpa no Exu ou no Zé Pilintra (entidades espirituais), os bandidos convertidos tornam- se uma ameaça. “Todo traficante evangélico quer fechar os terreiros na comunidade que domina”, revela uma vítima de preconceito religioso num morro do Rio, que pede para não ser identificada por medo de represália. Entretanto, o padre Elias Wolff, assessor da Comissão Episcopal para o Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vê com bons olhos o trabalho do pastor “desde que por trás dessas ações não haja interesses que não sejam a defesa e a promoção da vida.”
Fonte: Istoé
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