Num país com cada vez mais políticos ligados a denominações religiosas e, não só isso, também empresas – a maioria de comunicação – ligadas a igrejas, com o intuito não de evangelizar, no sentido mais clássico da palavra, mas, sobretudo, com a vontade de impor um estilo de vida e conceitos que, no Século XV, a Reforma Protestante combateu e agora, num processo antropofágico, parecem estar sendo devorados justamente por quem hoje deveria representá-los, eis que surge um “pastor herege”, Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista, com a seguinte pérola de razão iluminista e laica: “Deus me livre de um Brasil evangélico”.
A frase, dita por representante de uma igreja cujo primórdio é o Protestantismo, não é singular somente pelo seu efeito literário, do uso do “Deus me livre” em contraposição ao “Brasil evangélico”. É, de fato, uma frase que se aproxima de seu sentido literal e, acredito, nem mesmo um ateu se negaria a concordar com ela. Como “Deus me livre”, neste caso, significa “tenho medo”, “não desejaria” ou “seria uma tragédia”, a sentença do “pastor herege” engloba a periculosidade que se transformou o discurso neopentecostal, tacanho e opressivo, capaz de subverter o valor máximo que todas as sociedades progressistas devem defender, que é o da liberdade, com democracia e pluralidade.
O discurso de Ricardo Gondim é, em certa medida, otimista. Em sua visão, ao mesmo tempo em que cresce em números, o movimento evangélico perde sua capacidade de influência, baseado numa cegueira coletiva. “Quanto mais crescem (...) o rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro”, avalia Gondim, em entrevista à revista Carta Capital. Ao completar sua análise, ele define o perfil religioso do brasileiro como “extremamente eclético e ecumênico”. E sentencia: “Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas”. Algo como um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás.
Mesmo com o suposto enfraquecimento dos fiéis, não significa que o Brasil está livre deste mal (sim, é um mal, e dos grandes). Como coloca o “pastor herege”, o projeto de visão neopentecostal impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico. “Seria a talebanização do Brasil”, pontua. E deixa claro que este movimento se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. “Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja”, avalia.
O maior benefício do discurso de Ricardo Gondim é que ele não fala para ateus, que, por natureza ideológica, são críticos à invasão religiosa nos meios laicos. Mas trata de laicismo aos crentes, que, sem dúvida, são a maioria da população. E, como um pastor, Ricardo Gondim não sugere aos cristãos afastamento de seus valores espirituais, mas pondera, de forma sóbria, o espaço da Igreja e do Estado. Ao se dizer a favor do casamento entre homossexuais, o “pastor herege” destaca que “minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros; temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social”. E pontua: “Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação entrevista com a homossexualidade ou heterossexualidade”.
As palavras de Gondim são um alento num país dominado por discursos que flertam com o fascismo. Ninguém está imune aos perigos do neopentecostalismo. Sua visão errática e distorcida, lendo a Bíblia como um “manual de instruções”, está entranhada em meios de grande influência. Os crentes, sobretudo os cristãos, sabedores dos limites políticos e sociais de sua fé, devem apoiar Ricardo Gondim, o “pastor herege”, que, de fato, sabe fazer a ponte entre as demandas atuais da sociedade e o que há de bom no Cristianismo.
Fonte: Erich Vallim Vicente em A Tribuna
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A frase, dita por representante de uma igreja cujo primórdio é o Protestantismo, não é singular somente pelo seu efeito literário, do uso do “Deus me livre” em contraposição ao “Brasil evangélico”. É, de fato, uma frase que se aproxima de seu sentido literal e, acredito, nem mesmo um ateu se negaria a concordar com ela. Como “Deus me livre”, neste caso, significa “tenho medo”, “não desejaria” ou “seria uma tragédia”, a sentença do “pastor herege” engloba a periculosidade que se transformou o discurso neopentecostal, tacanho e opressivo, capaz de subverter o valor máximo que todas as sociedades progressistas devem defender, que é o da liberdade, com democracia e pluralidade.
O discurso de Ricardo Gondim é, em certa medida, otimista. Em sua visão, ao mesmo tempo em que cresce em números, o movimento evangélico perde sua capacidade de influência, baseado numa cegueira coletiva. “Quanto mais crescem (...) o rigor doutrinário e os valores típicos dos pequenos grupos se dispersam, e os evangélicos ficam mais próximos do perfil religioso típico do brasileiro”, avalia Gondim, em entrevista à revista Carta Capital. Ao completar sua análise, ele define o perfil religioso do brasileiro como “extremamente eclético e ecumênico”. E sentencia: “Pela primeira vez, temos evangélicos que pertencem também a comunidades católicas ou espíritas”. Algo como um “evangelicalismo popular”, nos moldes do catolicismo popular, e em evangélicos não praticantes, o que não existia até pouco tempo atrás.
Mesmo com o suposto enfraquecimento dos fiéis, não significa que o Brasil está livre deste mal (sim, é um mal, e dos grandes). Como coloca o “pastor herege”, o projeto de visão neopentecostal impõe não só a espiritualidade, mas toda a cultura, estética e cosmovisão do mundo evangélico. “Seria a talebanização do Brasil”, pontua. E deixa claro que este movimento se expande com a proposta de ser a maioria, para poder cada vez mais definir o rumo das eleições e, quem sabe, escolher o presidente da República. “Isso fica muito claro no projeto da Igreja Universal. O objetivo de ter o pastor no Congresso, nas instâncias de poder, é o de facilitar a expansão da igreja”, avalia.
O maior benefício do discurso de Ricardo Gondim é que ele não fala para ateus, que, por natureza ideológica, são críticos à invasão religiosa nos meios laicos. Mas trata de laicismo aos crentes, que, sem dúvida, são a maioria da população. E, como um pastor, Ricardo Gondim não sugere aos cristãos afastamento de seus valores espirituais, mas pondera, de forma sóbria, o espaço da Igreja e do Estado. Ao se dizer a favor do casamento entre homossexuais, o “pastor herege” destaca que “minhas convicções de fé não podem influenciar, tampouco atropelar o direito de outros; temos de respeitar as necessidades e aspirações que surgem a partir de outra realidade social”. E pontua: “Tenho minhas posições contra a promiscuidade, que considero ruim para as relações humanas, mas isso não tem uma relação entrevista com a homossexualidade ou heterossexualidade”.
As palavras de Gondim são um alento num país dominado por discursos que flertam com o fascismo. Ninguém está imune aos perigos do neopentecostalismo. Sua visão errática e distorcida, lendo a Bíblia como um “manual de instruções”, está entranhada em meios de grande influência. Os crentes, sobretudo os cristãos, sabedores dos limites políticos e sociais de sua fé, devem apoiar Ricardo Gondim, o “pastor herege”, que, de fato, sabe fazer a ponte entre as demandas atuais da sociedade e o que há de bom no Cristianismo.
Fonte: Erich Vallim Vicente em A Tribuna
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