quarta-feira, 19 de junho de 2013

O que é humildade cristã?

É inegável que os primeiros passos do novo Bispo de Roma, o Papa Francisco, estão causando um tsunami de notícias na imprensa internacional. Por meio de uma heurística (atos simples que falam volumes) poderosa ele está devolvendo à Igreja Católica Apostólica Romana — e, a reboque, à Igreja maior, ao redor do mundo — uma mensagem muito, mas muito clara: a necessidade de sermos mais simples.

Numa era de consumo como meio de vida, essa mensagem não poderia ser mais urgente. Estamos sendo consumidos pelo consumo. Estamos nos desgastando pelos gastos que fazemos. Não configuramos mais uma sociedade presa ao materialismo, pois não é mais aquilo que temos o que nos interessa. O que nos interessa é o que ainda não possuímos. Pois a nossa geração não se realiza ao possuir. Ela se realiza no ato de consumir. É na compra, na aquisição, que nos encontramos. E não importa que esse ato nos leve a um endividamento cada vez mais calamitoso. Não. Vale tudo para comprar. Possuir não importa, a não ser no primeiro momento. Mas, já ao sair do shopping após uma tarde de compras, comparamos o que adquirimos com o que está nas vitrines de outras lojas e nos perguntamos quando vamos poder voltar para comprar aquilo também. Odiamos a obsolescência. Um smartphone que não seja da última geração nos parece um tijolo no bolso. Não tem aquela fração de polegada de tela a mais. Não tem aquele charme de um aplicativo que não roda na telinha do seu precursor. Queremos o que há de mais atual, de mais avançado. E o queremos mesmo que nem mesmo utilizemos os seus recursos. Apenas o queremos.

Vem um Papa que rejeita o sapato mais charmoso. Troca o trono por uma cadeira branca. E faz as suas próprias refeições. Muitos estão estarrecidos com ele. Por quê? Bem… é óbvio, não? Especialmente no caso dos pastores midiáticos, a ostentação e opulência se tornou um motivo de vergonha. Jatos particulares, mansões e latifúndios pessoais, relógios de ouro caríssimos desfilando nas notícias, senão nos próprios programas que fazem.

Mas aqui surge uma dúvida: como entender a verdadeira humildade cristã? Alguém escreveu na minha página do Facebook que acha que o Papa “vai dar uma surra nos tele-evangelistas” porque “enquanto eles andam de Armani, há pessoas que não têm sapatos para calçar”. Ok, concordo que muitos extrapolam. Mas esse argumento me soa mal, pois traz em si uma falácia.

Explico: se alguém não deve vestir um terno caro porque há quem não tenha sapato eu perguntaria: “Mas e um terno menos caro?” Compare qualquer terno, por mais barato que seja, e quem não estiver de sapato ainda dá uma surra de humildade no que estiver trajado com aquele terno baratinho. E se estiver de carro? Pior, porque o Papa anda de ônibus. Só que há quem não tenha dinheiro para pagar a passagem do ônibus. Há pessoas em países pobres que nunca entraram num veículo motorizado. Certamente elas dão uma surra de humildade em quem pode pagar por uma corrida de ônibus. E quem come um misto quente? Há o tão humilde e maravilhoso misto quente. Quem pode criticar um santo ou negar-lhe tal iguaria? Mas, espere aí… há milhões de pessoas que vão dormir esta noite sem ter comido, sequer, uma vez no dia. Como você pode se chamar cristão comendo um misto quente quando há tantas pessoas com fome? Certamente, na comparação entre os ricos e humildes, entre os que têm e os que não têm, essa regra de humildade vai deixar quase qualquer um de nós culpado de ultraje e arrogância, falta de amor cristão e nenhuma humildade.

O Papa trocou o seu anel de ouro por um anel de prata. Mas e quem não pode sequer usar um anel de alumínio? Ou mesmo usar um anel? Prata é um metal nobre. Será que ele foi humilde o bastante? Veja que a lógica nos leva por um caminho estranho, pois nos põe no banco dos réus e nos condena por praticamente qualquer coisa.

Entenda, não acho que o Papa esteja errado no que está fazendo. Essa mensagem tem virtudes. Mas, deixando de lado o fato de que ele está sendo um mestre, um exemplo, mas não o mais humilde dos humildes, o que podemos entender com isso?

Paulo definiu a humildade. Em Romanos 12:2 ele escreveu: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente…” Um pouco adiante afirmou: “Ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter: mas, ao contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu.” Se a soberba é pautada pela pretensão, certamente a humildade é pautada por uma visão realista de quem somos. Não somos o carro que dirigimos. Não somos o endereço no qual residimos. Temos valor quer moremos num casebre ou num duplex de frente para o mar. É soberba um pastor ter um terno bom? É desprezo por alguém que não tem sapato ele andar de Fusca ou Chevrolet? É possível um membro rico da igreja ser humilde de coração? Se ele tiver meios, for um industrial ou empresário, profissional liberal ou artista, seria o fruto do seu labor indigno?

A heurística do Papa é muito bem-vinda. Não creio que esteja nos fazendo mal. Temos que pôr um freio na ostentação e na soberba do consumo. Isso está adoecendo as nossas almas. É simples assim. Mas vamos com calma na retórica que nasce da heurística. A heurística é geralmente um gesto ou um factoide que fala volumes e nisso é forte. Mas não explica nada. Temos de deixar que o argumento heurístico nos leve à reflexão mais ponderada. Senão, as nossas frustrações e os nossos preconceitos serão inflamados por demagogia. Aí vamos xingar os “pastores salafrários” e dizer que é são um bando de imprestáveis.

E não é assim.




Fonte: Walter McAlister em seu blog
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