OS ALVOS DA DENÚNCIA
À esquerda, os fundadores da Renascer, Estevam e Sônia Hernandes. No detalhe, o bispo José Bruno, ex-vice-presidente da Fundação Renascer. O Ministério Público quer que a igreja devolva o dinheiro ao Ministério da Educação
A Igreja Apostólica Renascer em Cristo está entre as instituições religiosas que mais crescem no país. Fundada na sala da casa de Sônia e Estevam Hernandes, bispa e apóstolo da igreja, tornou-se em 24 anos um conglomerado de mais de 800 templos (espalhados pelo Brasil, por países da América Latina e Estados Unidos), escola, gravadora e emissoras de rádio e TV. Os eventos promovidos pela igreja reúnem milhares de pessoas. Mas, assim como os fiéis, proliferam na Justiça as ações contra a Renascer e seus dirigentes. A última delas vem do Ministério Público Federal (MPF), que acusa a Fundação Renascer, uma entidade assistencial ligada à igreja, de desviar R$ 1.923.173,95 recebidos do governo federal graças a dois convênios celebrados com a Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação.
Os acordos foram assinados em 2003 e 2004 e previam a alfabetização de 23 mil jovens e adultos e a formação de 620 professores. As dúvidas começaram em 2007, quando auditores da FNDE e da Controladoria-Geral da União (CGU)investigaram a aplicação dos repasses das verbas do Ministério da Educação para ONGs integrantes do programa Brasil Alfabetizado. Ao ser submetida à auditoria, a Fundação Renascer, para justificar gastos, apresentou uma lista de nomes de professores e alunos que teriam participado do programa de alfabetização. A lista não continha, porém, nenhum número de documento, como CPF, que comprovasse a existência das pessoas mencionadas. Foi rejeitada pela auditoria.
O caso foi então remetido para o Ministério Público Federal em São Paulo. A Fundação Renascer enviou ao MPF um cronograma de aulas de educação religiosa – recheado de erros de português – para tentar atestar a existência do curso. O roteiro incluía temas como “conhecer a Bíblia”, “a importância da fé e da fidelidade como filhos de Deus” e “a história de Neemias”. Indicou também testemunhas, que foram ouvidas pelo Ministério Público. Somente duas conseguiram comprovar que houve um curso de alfabetização e mesmo assim para apenas 300 alunos, muito longe dos 23 mil estabelecidos pelos convênios assinados com a FNDE. Outras testemunhas disseram ainda que o dinheiro do convênio depositado na conta da Fundação Renascer era sacado em espécie por pessoas não identificadas. Na ação, o procurador Sérgio Suiama pede que os responsáveis pela Fundação Renascer sejam condenados a devolver à FNDE os R$ 2 milhões relativos ao convênio, percam os direitos políticos por cinco anos e não possam mais assinar contratos com a União.
Documentos apresentados pela igreja para comprovar gastos foram rejeitados por auditoria do governo
“Eles não conseguiram comprovar que o dinheiro da FNDE realmente foi usado para alfabetizar adultos. Mesmo que uma pequena parte tenha frequentado aulas de religião, isso é irregular”, diz Suiama. Segundo Suiama, os temas das aulas mostram que a Renascer pode ter usado verba pública para difundir as crenças da igreja. “O cronograma das aulas de religião complica ainda mais a situação, pois o dinheiro do convênio nunca poderia ter sido usado para promover proselitismo religioso. A Constituição determina que o Brasil é um estado laico, não pode patrocinar nenhuma prática religiosa”, diz Suiama.
O principal alvo da ação do Ministério Público é o deputado estadual bispo José Bruno (DEM-SP), que era vice-presidente da Fundação Renascer e assinou os convênios com a FNDE em 2003 e 2004. Hoje fora da Renascer para montar sua própria igreja, o deputado José Bruno diz que jamais trabalhou no programa de alfabetização da fundação e só assinou os convênios porque os verdadeiros responsáveis, a bispa Sônia (presidente da fundação) e o apóstolo Estevam Hernandes, estavam ausentes. “Eu assinei os convênios porque Estevam e Sônia estavam fora do país”, diz ele. “Eu nunca toquei esse projeto e isso consta inclusive no depoimento de uma testemunha que diz que nunca tratou de assuntos desse programa comigo.” Segundo a CGU, Bruno teria atrapalhado o trabalho dos fiscais que foram verificar o destino do dinheiro dos convênios e evitou fornecer documentos à auditoria.
A Renascer, em nota, refutou “qualquer acusação de malversação de verbas públicas” e disse ter havido “apenas entendimentos errôneos da FNDE com relação a valores”. Disse que alfabetizou mais de 15 mil pessoas e anexou fotos com cenas de salas que supostamente seriam a prova da realização do programa de alfabetização. Quanto ao ensino religioso, afirmou que as cartilhas baseadas em assuntos da Bíblia “trouxeram resultados que superaram outras técnicas”. Disse ainda que as dúvidas levantadas sobre o trabalho da fundação vêm de “denúncias desleais, acusações sem provas” feitas por “pessoas sob suspeição absoluta” que teriam “claros interesses próprios em prejudicar a igreja”.
A bispa Sônia e o apóstolo Estevam foram presos em 2007 ao tentar entrar nos Estados Unidos com US$ 56 mil escondidos em uma Bíblia e um porta-CDs – eles haviam declarado ao Fisco americano que entrariam com apenas US$ 10 mil. Em dezembro do ano passado, eles foram condenados pela Justiça Federal a quatro anos de prisão e multa de R$ 150 mil cada um por evasão de divisas. Apresentaram recurso contra a condenação.
À esquerda, os fundadores da Renascer, Estevam e Sônia Hernandes. No detalhe, o bispo José Bruno, ex-vice-presidente da Fundação Renascer. O Ministério Público quer que a igreja devolva o dinheiro ao Ministério da Educação
A Igreja Apostólica Renascer em Cristo está entre as instituições religiosas que mais crescem no país. Fundada na sala da casa de Sônia e Estevam Hernandes, bispa e apóstolo da igreja, tornou-se em 24 anos um conglomerado de mais de 800 templos (espalhados pelo Brasil, por países da América Latina e Estados Unidos), escola, gravadora e emissoras de rádio e TV. Os eventos promovidos pela igreja reúnem milhares de pessoas. Mas, assim como os fiéis, proliferam na Justiça as ações contra a Renascer e seus dirigentes. A última delas vem do Ministério Público Federal (MPF), que acusa a Fundação Renascer, uma entidade assistencial ligada à igreja, de desviar R$ 1.923.173,95 recebidos do governo federal graças a dois convênios celebrados com a Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão do Ministério da Educação.
Os acordos foram assinados em 2003 e 2004 e previam a alfabetização de 23 mil jovens e adultos e a formação de 620 professores. As dúvidas começaram em 2007, quando auditores da FNDE e da Controladoria-Geral da União (CGU)investigaram a aplicação dos repasses das verbas do Ministério da Educação para ONGs integrantes do programa Brasil Alfabetizado. Ao ser submetida à auditoria, a Fundação Renascer, para justificar gastos, apresentou uma lista de nomes de professores e alunos que teriam participado do programa de alfabetização. A lista não continha, porém, nenhum número de documento, como CPF, que comprovasse a existência das pessoas mencionadas. Foi rejeitada pela auditoria.
O caso foi então remetido para o Ministério Público Federal em São Paulo. A Fundação Renascer enviou ao MPF um cronograma de aulas de educação religiosa – recheado de erros de português – para tentar atestar a existência do curso. O roteiro incluía temas como “conhecer a Bíblia”, “a importância da fé e da fidelidade como filhos de Deus” e “a história de Neemias”. Indicou também testemunhas, que foram ouvidas pelo Ministério Público. Somente duas conseguiram comprovar que houve um curso de alfabetização e mesmo assim para apenas 300 alunos, muito longe dos 23 mil estabelecidos pelos convênios assinados com a FNDE. Outras testemunhas disseram ainda que o dinheiro do convênio depositado na conta da Fundação Renascer era sacado em espécie por pessoas não identificadas. Na ação, o procurador Sérgio Suiama pede que os responsáveis pela Fundação Renascer sejam condenados a devolver à FNDE os R$ 2 milhões relativos ao convênio, percam os direitos políticos por cinco anos e não possam mais assinar contratos com a União.
Documentos apresentados pela igreja para comprovar gastos foram rejeitados por auditoria do governo
“Eles não conseguiram comprovar que o dinheiro da FNDE realmente foi usado para alfabetizar adultos. Mesmo que uma pequena parte tenha frequentado aulas de religião, isso é irregular”, diz Suiama. Segundo Suiama, os temas das aulas mostram que a Renascer pode ter usado verba pública para difundir as crenças da igreja. “O cronograma das aulas de religião complica ainda mais a situação, pois o dinheiro do convênio nunca poderia ter sido usado para promover proselitismo religioso. A Constituição determina que o Brasil é um estado laico, não pode patrocinar nenhuma prática religiosa”, diz Suiama.
O principal alvo da ação do Ministério Público é o deputado estadual bispo José Bruno (DEM-SP), que era vice-presidente da Fundação Renascer e assinou os convênios com a FNDE em 2003 e 2004. Hoje fora da Renascer para montar sua própria igreja, o deputado José Bruno diz que jamais trabalhou no programa de alfabetização da fundação e só assinou os convênios porque os verdadeiros responsáveis, a bispa Sônia (presidente da fundação) e o apóstolo Estevam Hernandes, estavam ausentes. “Eu assinei os convênios porque Estevam e Sônia estavam fora do país”, diz ele. “Eu nunca toquei esse projeto e isso consta inclusive no depoimento de uma testemunha que diz que nunca tratou de assuntos desse programa comigo.” Segundo a CGU, Bruno teria atrapalhado o trabalho dos fiscais que foram verificar o destino do dinheiro dos convênios e evitou fornecer documentos à auditoria.
A Renascer, em nota, refutou “qualquer acusação de malversação de verbas públicas” e disse ter havido “apenas entendimentos errôneos da FNDE com relação a valores”. Disse que alfabetizou mais de 15 mil pessoas e anexou fotos com cenas de salas que supostamente seriam a prova da realização do programa de alfabetização. Quanto ao ensino religioso, afirmou que as cartilhas baseadas em assuntos da Bíblia “trouxeram resultados que superaram outras técnicas”. Disse ainda que as dúvidas levantadas sobre o trabalho da fundação vêm de “denúncias desleais, acusações sem provas” feitas por “pessoas sob suspeição absoluta” que teriam “claros interesses próprios em prejudicar a igreja”.
A bispa Sônia e o apóstolo Estevam foram presos em 2007 ao tentar entrar nos Estados Unidos com US$ 56 mil escondidos em uma Bíblia e um porta-CDs – eles haviam declarado ao Fisco americano que entrariam com apenas US$ 10 mil. Em dezembro do ano passado, eles foram condenados pela Justiça Federal a quatro anos de prisão e multa de R$ 150 mil cada um por evasão de divisas. Apresentaram recurso contra a condenação.