quarta-feira, 28 de março de 2012

Igreja Católica tenta ganhar espaço em Cuba

O regime que até a década de 1990 se declarava ateu e que já expulsou religiosos se prepara com empenho quase fervoroso para receber a visita do Papa Bento XVI a Cuba.

Com uma página especial na internet sobre a viagem do Pontífice, editoriais no "Granma", e a concessão de folgas para que funcionários públicos acompanhem os eventos com a presença de Joseph Ratzinger, o governo quer deixar clara a mensagem de um país em transição, onde a Igreja Católica e seu maior representante são bem-vindos.

A preocupação com o potencial uso político da visita do Papa, que marca os 400 anos da descoberta da imagem da Virgem da Caridade do Cobre, padroeira de Cuba, é grande. O número dois do Vaticano, cardeal Tarcísio Bertone, afirmou que a passagem do Pontífice ajudará a promover a democracia na ilha e disse não acreditar que a visita será explorada pelo governo.

Religiosos assumem rede de proteção social

Jornais italianos como o "La Repubblica" e o "La Stampa" chegaram a especular no mês passado que o próprio Fidel Castro poderia se converter ao catolicismo, uma hipótese bastante improvável para um líder político educado em escola de jesuítas, que decretou o comunismo na ilha na década de 1960 e cancelou o Natal como feriado em 1969 — medida que só foi anulada após a visita do Papa João Paulo II, em 1998. Mesmo sem fazer parte da agenda oficial, o Vaticano disse estar disponível para um encontro com Fidel, caso ele o deseje.

A demonstração de boa vontade do regime não é à toa. Nos últimos anos, estreitou-se o rela$entre o governo e a Igreja Católica. Em um país onde o Estado começa, aos poucos, a reduzir subsídios, a Igreja tem assumido cada vez mais a rede de proteção social. Nas paróquias, proliferam restaurantes populares, aulas de informática, cultura geral e até de economia. Os religiosos cuidam de bibliotecas públicas e da exibição de filmes, atividades custeadas por instituições católicas de outros países, como EUA, Canadá, México, Alemanha, Espanha. Entre os pontos que devem ser discutidos estão o maior acesso a rádios e TV estatal, a administração de escolas e a permissão para construir novas igrejas.

Mas é na política que a interlocução entre Igreja e Estado ga$destaque e se torna alvo de desconfiança. O diálogo com o cardeal Jaime Ortega resultou na libertação de dezenas de prisioneiros políticos em 2010, mas muitos dissidentes se ressentem do fato de o líder religioso não ter interferido na decisão do governo de enviar os recém-libertados para a Espanha.

O papel do prelado foi citado em relatório divulgado pela Comissão Americana de Liberdade Religiosa Internacional. Apesar de Cuba constar na lista de países que interferem em assuntos da Igreja e perseguem clérigos, o documento destaca que Ortega teve papel fundamental nos avanços, e cita a negociação com o governo para que as Damas de Branco, grupo $por mulheres e viúvas de dissidentes, possam assistir a missas em Havana.

Na opinião do historiador Enrique López Oliva, da Universidade de Havana, a aproximação com o Estado faz parte de uma estratégia para o futuro:

— A Igreja Católica está se preparando para um futuro sem os irmãos Castro. Ela está construindo o aparato laico, reforçando seu sistema pastoral. Hoje, a maioria dos padres cubanos foi ordenada depois da revolução. Não foram afetados diretamente pelo processo de confrontação dos anos 60 e 70, o que possibilita ao clero dialogar e entender melhor o povo.

López avalia que o caminho natural seria — tão logo isso se $uma possibilidade em Cuba — a criação de um partido político. Segundo o historiador, cabe à Igreja hoje, em caráter informal, o papel de oposição construtiva ao governo.

Mas é justamente essa proximidade, apontada por críticos como excessiva, que dificulta a expansão da Igreja na ilha. Metade da população de 11 milhões se declara católica, mas menos de 10% dos cubanos são, de fato, praticantes.

O cenário religioso é bastante complexo. Enquanto milhares são devotos de Nossa Senhora da Caridade do Cobre, a maioria dos cubanos religiosos é adepta da santeria, versão cubana da umbanda. E nos últimos anos houve uma expansão das reli$ões neopentecostais. Especialistas dizem que a chegada das novas igrejas evangélicas teria sido estimulada por Fidel, para fragmentar a influência da religião (leia-se, da Igreja Católica).

— Essa política tem vantagens e prejuízos. Aproximar-se do governo significa afastar-se um pouco das pessoas mais sofridas. E para o governo cubano trata-se de um comportamento hipócrita porque durante décadas ele perseguiu a Igreja Católica — disse Elizardo Sánchez, da Comissão de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional.

Um minuto da atenção do Pontífice

Em mensagem ao Papa, Berta Soler, porta-voz das Damas de Branco pediu ao menos um minuto para falar sobre a situação do povo. Não recebeu resposta.

— As Damas de Branco tratam de esperança, mas não sei se será possível — disse.

Prestes a ser transferido de sua paróquia em Santiago de Cuba para El Cristo, o padre José Conrado Rodríguez é uma exceção na Igreja entre os que defendem abertamente a manifestação do Papa sobre o regime dos irmãos Castro, como já fez o Pontífice em sua viagem rumo ao México, quando disse que o comunismo não serve mais a Cuba. Para o padre, é preciso facilitar o diálogo ao qual todos os cubanos deveriam ter direito.

— O governo enfrenta uma situação difícil. A população não aguenta mais uma vida tão dura sem nunca ver solução para os problemas, sem superar a pobreza. Se as coisas não se ajeitarem, chegará um momento em que as pessoas tomarão as ruas. E o caminho que defendemos é o da paz. As eleições não podem ser de um único partido ou candidato, qualquer um pode ver. Sou um cubano como qualquer outro, não posso me isentar.


Fonte: O Globo
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