terça-feira, 6 de março de 2012

Se Deus não faz acepção de pessoas, por que a igreja faz?

Uma vez, eu era ainda um adolescente, ouvi um pregador inflamado bradar de um púlpito que ele não acreditava que mulheres que cortavam o cabelo iriam para o céu. E se elas fossem, ele não queria ir para tal céu. Muitos que estavam no auditório aquiesceram, outros ficaram mudos, meio que desconcertados com o que ouviram. Outros, ainda, ficaram com olhar de estupefação e admirados com tamanho disparate, com tamanha tolice. Eu estava entre esses últimos. Ali, ainda na meu início de caminhada cristã, fiquei imaginando: “esse cara, então, acha que uns centímetros a mais ou a menos de cabelo vão cerrar as portas do céu para alguém?”.

Esse é apenas um exemplo grotesco do exclusivismo que caracteriza boa parte das religiões e a quase a totalidade dos evangélicos. Não aceitar qualquer coisa que não seja exatamente igual ao que se entende certinho por um determinado grupo.

Não precisamos gostar de outras expressões do cristianismo. Não precisamos praticar liturgias que não nos dizem respeito, nem tem nada a ver com nossa cultura. Mas isso não quer dizer que as pessoas que fazem parte de outras concepções do cristianismo esteja condenadas ao inferno. Esse é um problema sério – rotular as pessoas entre “salvos” e “perdidos” – como se nós é que tivéssemos o poder de mandar alguém para o céu para o inferno. Aqueles que não se parecem com um grupo, que não tem uma liturgia parecida com a deles, que não crêem exatamente como eles crêem, que não tem a visão de Jesus exatamente como eles tem, estão perdidos. Ai de quem crer em algum ponto de fé um pouco diferente. Ai de quem não se enquadrar no estereótipo. Ai de quem não for um “escolhido” e não cantar hinos europeus traduzidos para o português e não tiver uma liturgia de culto anglo-saxã. Está perdido.

Não podemos ter a pretensão de padronizar as pessoas. Muitos tem medo da igreja, ou dela se afastam, por causa dessa padronização.

Isso acontece porque queremos ser donos de uma verdade absoluta. E não somos donos de verdade absoluta alguma. Jesus é a verdade absoluta. Mas a forma como eu vejo, interpreto e vivo essa verdade não é absoluta.

Acredito que precisamos ser mais tolerantes com os diferentes, amá-los de maneira incondicional e acolhe-los de maneira misericordiosa. A graça de Jesus está disponível para todos os povos, ela é universal. E se Deus não faz acepção de pessoas, por que a igreja faz?

Precisamos olhar para as pessoas com o olhar de Deus. Deus vê as pessoas, todas as pessoas, como filhos amados, dignos de compaixão e misericórdia. Ele deseja que essas pessoas, todas elas, sejam salvas.

Só assim a igreja será um espaço em que os diferentes conseguem conviver com suas diferenças, se amam e se respeitam. Se o céu for um lugar onde todo mundo é igualzinho, todo mundo padronizadinho, deve ser um lugar muito tedioso. Assim, também, uma igreja onde todo mundo é igualzinho é sem graça, sem sal, sem vida, sem a manifestação da multiforme graça de Deus.


Fonte: Márcio Rosa da Silva em seu blog
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