quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Encontro de solteiros evangélicos: 70 mulheres para cada homem, faltou príncipe!

Encontro de Solteiros, Divorciados e Viúvos, no Rio, atrai mulheres em sua quase totalidade. As fieis reclamam da falta de pretendentes

Para muitos, fazer novas amizades está ao alcance de uma breve pesquisada em redes sociais. Mas, para alguns membros de igrejas evangélicas, a melhor forma de conhecer possíveis pretendentes está mesmo nos encontros promovidos pelas igrejas, cada vez mais comuns pelo País. Reportagem do iGesteve no último fim de semana em Cabo Frio, Região dos Lagos, acompanhando o Encontro de Solteiros, Divorciados e Viúvos, organizado pelo Ministério Oikos, organização que aglomera várias vertentes evangélicas. Caravanas de diversas partes do País se dirigiram na sexta-feira (14) ao local.

Das 280 pessoas presentes, quatro eram homens. Apenas quatro. O técnico de informática Marcelo Luis, do Rio, era um deles. “Não vim com o intuito de conhecer uma mulher para casar, mas para fazer novas amizades”, disse ele, divorciado, com o mesmo discurso que mais se ouviria naqueles dias. Luiz Cássio, empresário, 23 anos, talvez fosse considerado o “partidão” das presentes por ser o mais novo. Mas ele foi acompanhado da namorada, Fernanda Coller, de 25. E cobiçar homem da próxima também é pecado. Luiz e Fernanda estão de casamento marcado para o final de 2013. “Viemos ao encontro mais por curiosidade. Trouxe minha sogra junto. Ela é divorciada há muitos anos e não quis se casar de novo”, conta o empresário, de Fortaleza (CE).

A taxa de participação era de R$ 140. Aos que preferissem incluir hotel, havia pacotes em torno de R$ 450 em quarto triplo. Durante três dias, atividades intensas indo de cultos às 9h da manhã a apresentações de marionetes no final da noite. A tentação, entretanto, estava ali do outro lado da avenida. Praia e sol. Somente o sábado à tarde estava livre para quem quisesse aproveitar a paisagem. Ninguém se aventurou em colocar biquíni. Nem mesmo maiô. No máximo, um passeio pelo calçadão. Sem a bíblia na mão. “Praia não é o lugar mais apropriado para estudos bíblicos. É muita gente, muito barulho”, explicava a enfermeira Janaina Paixão, de 39 anos.

Preconceito masculino

A professora Rosimare Rangel, 48, estava com as amigas Fidelina Souza, psicóloga, 49, e Ivana da Conceição, psicoterapeuta, 59. Das três, Fidelina é a única que nunca casou. As outras duas, divorciadas. O trio logo percebeu a discrepância de gêneros no encontro. “O que ocorre é preconceito por parte dos próprios homens, que não gostam de se expor. Mulher é mais comunicativa, mais sensível, gosta de estar com alguém e por isso sai mais”, diz Rosimere. As três eram, possivelmente, as mais simpáticas e sorridentes do grupo.

Pastor Gilson Bifano (foto), um dos organizadores do evento, concorda que os homens temem mais a exposição. “É preciso que as igrejas façam um trabalho no sentido de quebrar este tabu entre os fieis do sexo masculino”, diz. Para ele, encontros como este vêm acalentar uma considerável parcela da sociedade que não vinha sendo representada e tendo voz nas igrejas, incluindo as católicas. “Muito se fala dos valores da família, na estrutura e na importância de uma sólida base familiar... na relação de pai, mãe e filhos. Mas e os fieis que preferiram não se casar? E os solteiros que são felizes por serem sozinhos? Ou os divorciados que, por trauma ou opção pessoal, não querem tentar um segundo casamento? Ou ainda os viúvos, que estão na mesma solidão? A igreja precisa abraçar a todos”, defende Bifano. Solteira, a carioca Elenice Eliotério adorou a iniciativa. “A gente se sente mutilado por não ter família”, conta a cabeleireira que, garante, não estava ali para arrumar pretendente. “Conheci uma pessoa há duas semanas, estamos nos conhecendo. Se não fosse isso, talvez o meu intuito aqui fosse outro. Mas nem tem para quem olhar...”, continua.

Para Bifano, há uma distorção da imagem que se faz do evangélico na sociedade. Não sobra nem para a novela-sensação do momento, “Avenida Brasil”, mais precisamente por causa de Dolores Neiva, vulgo Soninha Catatau,a personagem de Paula Burlamaqui, uma ex-atriz pornô que se tornou evangélica. “Falamos muito para que tenham cuidado com o que veem na televisão. Nem sempre isso corresponde à realidade. Esta novela não condiz com o que somos de fato. Não vejo, não gosto”, diz.

“Solteiros Anônimos”

No Encontro de Solteiros, Divorciados e Viúvos de Cabo Frio, poucos são os que têm menos de trinta anos. “Somos quase uma espécie de S.A. Você não sabe o que é S.A.? É igual os N.A. (Narcóticos Anônimos), só que aqui se chama Solteiros Anônimos”, disse uma fiel fazendo graça de seu eterno estado civil. Nem todas quiseram ser identificadas. Algumas com vergonha da colocação de “solteira”, outras por não terem contado aos parentes que iriam ao encontro naquele final de semana. “Pedi dispensa no trabalho alegando que iria para um casamento em Minas. Por favor, não me fotografe. Podem me chamar de solteirona, e eu não vou gostar”. Pedido atendido.

Só não foi atendida, até agora, sua prece para desencalhar. “Quero um homem parceiro, fiel, que respeite as doutrinas da minha igreja, que não beba, que não fume, que goste de ir ao cinema... Se nada disso for possível, que ele seja ao menos evangélico”, conta.

Pastor Gilson Bifano defende o trabalho de igrejas como a que, na zona sul do Rio, separa homens e mulheres , para formar “príncipes” e “princesas”. “É um trabalho feito já com os jovens, desde cedo”, diz. “Sou a favor da pureza sexual, assim como da posição bíblica da heterossexualidade. Sei que já tem igreja evangélica que prega o contrário, mas seguimos a bíblia, que está acima de qualquer constituição. Aqui os valores são da monogamia e do companheirismo. Sexo foi criado por Deus no contexto do casamento, para gerar filhos. Fora disso, não vejo por que manter relação”, continua, categórico.

Se o pastor acredita que todas aquelas pessoas presentes ao encontro seguem à risca este propósito? “Conscientizamos para que sigam isso, mas não há como fiscalizar, né?”, pondera. Para afastar a tentação da carne, ele sugere a substituição do sexo pelo trabalho social voluntário. “Sexo é necessidade, mas não é essencial do ponto de vista biológico. Dá para se canalizar a libido para outras formas de atividade”, propõe.

Príncipe evangélico

Começa o culto. O pastor pede que se abrace o “irmão” ao seu lado. Os cinco homens presentes no recinto (incluindo o repórter), ganham vários abraços. O músico João Alexandre, de violão no altar improvisado no salão de reuniões do hotel, dá o tom da noite. “É uma hemorragia de satisfação inoxidável estar aqui. É um encontro diferente, cheio da graça de Deus”, diz.

Luciana Dantas, autônoma, discorda que este seja mesmo um encontro diferente. Com a propriedade de estar no encontro pela terceira vez, diz que a falta de homens é uma constante. Nunca se casou, mas não perde as esperanças. Ainda que sinta a dificuldade. “Falta príncipe evangélico no mercado. Quando aparece um, é velho e só quer garotinha de 20 anos”, lamenta ela, aos 41 anos.

No intervalo, várias pessoas compram livros de editoras evangélicas, dispostos no fundo do auditório. Entre os títulos mais procurados, “As 5 linguagens do amor para solteiros”, “Transforme seu filho até sexta-feira”, “Reconstrua sua vida”. No sábado à noite, enquanto o culto segue animado, alguns fiéis debandam para o hall do hotel. Sentam-se no sofá de frente para a TV, que exibe capítulo de “Avenida Brasil”. Num canto, o técnico de informática Marcelo Luis conversa animadamente por horas com a bancária Graziele Acosta, repleta de sorrisos. “Estamos fazendo amizade. Não vai escrever nada além disso”, pede ele.

Com exceção do rapaz que já chegou acompanhado e de Marcelo Luis, os outros dois únicos homens do encontro, apesar de tanta opção, terminam a noite sozinhos. “Vim para melhorar a espiritualidade”, diz um deles. Ambos pediram para não serem identificados. O pastor Bifano defende que o evento alcança seus propósitos mesmo com baixíssimo quorum masculino. “Esse negócio de namoro, de encontrar a cara metade, pode ser uma consequência, mas não é o objetivo real de estarmos aqui. As pessoas vêm para estreitar laços com a igreja e fazer amizades”, diz. Outro pastor, Jeremias Pereira, de Belo Horizonte, completa. “Não existe amor à primeira vista nem indo ao oculista. Amor é cultivo, é aprendizado diário”.

O próximo Encontro de Solteiros, Divorciados e Viúvos só vai ocorrer em novembro de 2013. Até lá, para as evangélicas carentes, o melhor mesmo é não faltar aos cultos.



Fonte: Último Segundo
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