quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Relatório AIS: cristãos são os mais discriminados e perseguidos no mundo


A crescente influência de grupos laicistas, sobretudo em países europeus, é a mais recente ameaça à livre expressão de uma Fé, segundo o Relatório 2012 – Liberdade Religiosa no Mundo, elaborado pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). E, de todas as confissões, os cristãos permanecem os que mais sofrem de violência, de discriminações e de perseguições, conclui o Relatório, publicado esta tarde em Lisboa.

Todos os documentos disponíveis e outros relatórios sobre a temática, analisados pelo Observatório da AIS provam que os cristãos, de todas as denominações, “são o grupo mais exposto à perseguição”, afirma Peter Sefton-Williams, presidente do comité editorial de informação da Fundação AIS.

Não há números certos quanto aos cristãos em dificuldades devido a estruturas legais ou culturais por todo o mundo. 

“Mas, no ano passado, o arcebispo Dominique Mamberti, Secretário da Santa Sé para as Relações com os Estados, estimou que estes sejam mais de 200 milhões em todo o mundo”, refere Sefton-Williams.

Segundo dados da AIS, 75% dos atos de perseguição religiosa são contra cristãos. Até hoje calcula-se que tenham sido mortos 70 milhões de cristãos e desses, 45 milhões morreram somente no século XX. Todos os anos são assassinados 105 mil cristãos, numa média de um cristão morto a cada cinco minutos.

A destacar também a influência exercida pelas religiões no livre exercício das diversas fés.

Intolerância confessional

De acordo com o estudo, a diferença do exercício da liberdade religiosa é notória, consoante a religião confessional analisada. 

“Descobrimos que, em 131 dos 196 países analisados, o Cristianismo é a religião maioritária mas, em nenhum desses 131 países o quadro legislativo continha leis que obstruíssem a liberdade religiosa”, afirma Sefton-Williams. A situação é transversal aos países cristãos da Europa à África e à Ásia, da Libéria e do Lesoto às Filipinas e a Timor-Leste. 

“No entanto, dos 49 países com maioria muçulmana (incluindo o Kosovo), 17 têm o Islão como religião do Estado, com consequências que vão desde a exclusão de toda a prática religiosa não muçulmana, como na Arábia Saudita, até a casos em que as outras religiões são toleradas, embora as suas atividades sejam rigorosamente controladas”, explica Sefton-Williams. 

O responsável da AIS sublinha que nestes países a opressão não se exerce apenas sobre os cristãos. “Há muçulmanos de diferentes escolas que são, muitas vezes, alvo de discriminação”, afirma.

O recente atentado contra Malala Yousufzai, uma adolescente muçulmana de 14 anos perseguida pelos taliban no Paquistão por defender o direito das raparigas à educação é um exemplo desta intolerância interconfessional.

Primavera Árabe "preocupante"

O Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo foi elaborado por especialistas de diferentes países e religiões, cujos relatórios foram analisados e editados, num “estilo objetivo e factual”, conforme refere Peter Sefton-Williams, presidente do comité editorial de informação da Fundação AIS.

O responsável pela elaboração do documento, publicado de dois em dois anos, refere por exemplo que as consequências da recente Primavera Árabe estão a ser acompanhadas com preocupação. 

“Os sinais não são animadores. Países que desfrutavam de uma calma relativa, como a Tunísia, a Líbia, o Egito e a Síria, são agora motivo de preocupação”, refere Sefton-Williams, reconhecendo no entanto que é “demasiado cedo para dizer” qual será o impacto final das mudanças políticas naqueles países.

Da avaliação feita pelos especialistas da Fundação AIS, constata-se que, hoje em dia, a liberdade religiosa é altamente problemática, especialmente nos países onde a Constituição remete para a existência de uma religião oficial que não dá espaço às outras crenças, como é o caso da Arábia Saudita, ou em Estados em que é possível expulsar legalmente pessoas de diferentes credos, como acontece, por exemplo, no Tajiquistão. 

De destacar, também, a enorme pressão que é exercida sobre os não-muçulmanos nos países onde existe a Lei da Blasfémia. Isto é particularmente visível no Paquistão, mas tem vindo a ganhar força em países em que há uma crescente pressão oriunda de extremistas islâmicos como no Quénia, Mali, Nigéria ou Chade.

O caso Afegão

De acordo com documento da AIS, muitos países consagram a liberdade de outros fiéis seguirem a sua religião para logo depois estabelecer que “divergir da ortodoxia prevalecente é punível por lei”, como se refere por exemplo quanto ao Afeganistão. Aqui as pessoas podem ser acusadas por apostasia (renúncia à religião original) e por blasfémia. 

A minoria cristã afegã (0,1% da população) tem de praticar a sua religião secretamente, até mesmo porque a maioria são convertidos do Islão e podem por isso ser executados por grupos radicais, à margem da lei. 

Em 2011, o Presidente Karzai autorizou mesmo uma “caça aos convertidos”, após protestos nacionais violentos provocados pela difusão de imagens de muçulmanos a aceitarem o batismo. Cerca de 20 pessoas foram detidas e embora tenham sido depois libertadas, um homem foi mesmo condenado à morte e forçado depois a abandonar o país, com a família. Noutro caso, as imagens da decapitação de Abdul Latif, outro muçulmano convertido ao cristianismo, foram amplamente difundidas por grupos taliban “como exemplo” contra a apostasia.

Os muçulmanos xiitas, perseguidos abertamente durante o regime taliban, são atualmente mais tolerados no Afeganistão, assim como os hindus e os siques. 
Cresce intolerância na Alemanha

Noutro exemplo da realidade mundial revelada pelo Relatório, a Alemanha surge como lugar de crescente descriminação contra formas de celebrações cristãs ou hábitos de vida cristã. 

Uma mãe de 12 filhos foi encarcerada durante 43 dias por recusar inscrever os filhos em aulas de educação sexual, que tanto ela como o marido consideravam indecentes, refere o documento. Violação de sepulturas, profanação de locais de culto ou a destruição de crucifixos durante a visita de Bento XVI são exemplos da intolerância crescente. 

Os muçulmanos na Alemanha enfrentam problemas sobretudo a nível legislativo. “Mantêm-se certas áreas onde a lei e as práticas islâmicas e outras práticas tradicionais entram em conflito, incluindo o chamamento para a oração, o ritual de abate halal ou kosher, e a segregação dos rapazes e raparigas mais velhos durante as aulas de ginástica. Os rituais de abate entram em conflito com as leis de proteção dos animais, embora haja disposições legais para isenções,” refere o Relatório.

Foram ainda documentados ataques contra a comunidade judaica na Alemanha, com tendência a aumentar.

"Polícia da consciência" belga

Noutro exemplo de um novo tipo de risco para a liberdade religiosa, o Relatório menciona uma proposta de lei belga, que prevê criminalizar o aproveitamento da “destabilização mental” dos outros e o “aproveitamento dos que estão enfraquecidos”. Inspirado numa lei francesa de 2001, o objetivo declarado do projeto-lei da Bélgica é atingir as organizações “tipo seita”.

Contudo, avisa o documento da AIS, “o efeito de uma lei restritiva como a lei proposta pelo deputado Frédéric poderá levar à ilegalização de batismos, do jejum, etc, e mesmo pôr em risco a própria missão das organizações religiosas, ao mesmo tempo que cria dúvidas sobre a legitimidade das circuncisões nas comunidades islâmica e judaica.“ Na prática, as autoridades estatais como a polícia e os tribunais seriam chamadas a exercer um papel arbitrário de “polícia de consciência”, refere o Relatório.

Em França, também foram registados vários atos que atentam contra a liberdade religiosa, seja contra cristãos, judeus, muçulmanos ou outras religiões. Estes tipos de atos também têm ocorrido em países como a Holanda e o Reino Unido. 

O barril de pólvora indiano

A Índia é um dos países onde a falta de liberdade religiosa é mais extensamente analisada. Em 2011/2012 não se repetiu a escala de violência verificada em 2008, em Orissa, que deixou uma centena de cristãos mortos e várias propriedades confiscadas, e em Gujarat, em que hindus e muçulmanos entraram em confronto originando verdadeiros massacres. 

Mas as comunidades cristãs e islâmicas permanecem “vulneráveis” face à maioria hindu, sobretudo quando se envolvem questões de casta. O ano de 2011 foi caracterizado por perseguições devido a proselitismo e conversões “forçadas”, sobretudo contra as comunidades Protestantes, em particular as Igrejas Pentecostais.

O nacionalismo parece ser igualmente outra motivação para os mais de 170 ataques registados contra a minoria cristã. “Estes ataques são sistemáticos e de todos os tipos, incluindo homicídios, ferimentos nos olhos e ouvidos, e mutilações que muitas vezes causam danos permanentes. Igrejas, bíblias, crucifixos e outros objetos religiosos foram destruídos, profanados ou queimados, enquanto carros, motorizadas e bicicletas foram destruídos, casas e terras foram tomadas à força e túmulos foram profanados,” afirma o Relatório. 

O documento sublinha que o governo central nada faz para proteger as comunidades minoritárias e que a justiça é cada vez mais lenta na proteção das vítimas destes ataques, no caso dos cristãos. A violência hindu-muçulmana tem sido resolvida de forma mais célere.

O documento da AIS refere mesmo diversos casos em 2011 nos quais as autoridades policiais indianas acusaram e detiveram Pastores e Reverendos acusando-os de proselitismo e de conversões forçadas. Muitos dos 200.000 estabelecimentos escolares e Institutos católicos são por seu lado fortemente contestados por governos estatais hindus. Nos estados muçulmanos de Jammu e Cachemira, também se registaram abusos, intimidações e violência contra a comunidade cristã.


Fonte: RTPI Notícias
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