domingo, 21 de outubro de 2012

Olhai os lírios dos campos

Dar um tempo na vida é tentar colocar a mesma em pausa. É quando nos encontramos numa  encruzilhada e, de repente, não sabemos qual caminho seguir.  É o medo de tomar decisões erradas que nos faz pensar que o melhor seria adiar pra ver depois no que pode dar.

Só que a vida não é um filme que podemos parar um instante pra ir buscar um café e depois voltar e recomeçar de onde paramos. A vida é bem mais séria, bem mais exigente. Ela pede que tomemos decisões; errar é um risco que todos correm. Quem pode afirmar, com cem por cento de certeza, que a decisão que toma é a certa, que tudo vai correr exatamente como se passa dentro da sua cabeça?

O dia de amanhã não conhecemos. E é bem melhor assim. Imagino quanto sofrimento por antecipação haveria no mundo se soubéssemos com certeza absoluta o que vai acontecer. O conhecimento do futuro estragaria nosso presente.

Em 1991 eu tive um caroço no seio. Foi horrível! Descobri à noite e até a manhã seguinte eu não pude dormir. A hipótese de que aquilo era uma coisa benigna e banal nem passou pela minha cabeça. Pensamentos negativos me assombraram a noite toda. Na manhã seguinte, fui ver o meu médico, um clínico geral. Ele examinou e me encaminhou para um especialista. No hospital, marcaram uma consulta para dezoito dias depois. Deus do céu ! Dezoito dias depois! E como eu iria viver todos esses dias? Talvez hoje, mais amadurecida, eu pudesse me repousar e me dizer de esperar, ter fé. Mas não naquela época. Milhões de coisas se passaram pela minha cabeça. Eu já me via morta, me perguntava como minha família iria reagir. E filhos? Deus, eu nem tinha tido ainda tempo de ter filhos e já iria partir! Não, eu não poderia esperar ainda dezoito dias para fazer a famosa mamografia. Liguei novamente para o meu médico, que se comunicou com o hospital e eles marcaram o tal exame para o dia seguinte.

Mais uma noite sem dormir e lá estava eu, pronta para os exames. Já no primeiro, o médico disse que parecia algo banal, mas que para ter certeza eles fariam uma biopsia. O tal exame era desagradável. Enquanto faziam uma ultra-sonografia do seio, eles enfiaram uma agulha grossa para a retirada do material. Eu olhava atentivamente para o rosto do médico, acho que procurava nele uma expressão qualquer de preocupação. Ele parecia tranquilo, fiquei tranquila também. Ele me explicou que era provavelmente um fibroma, tumor benigno. Estavam fazendo o exame por segurança, mas que eu não deveria me preocupar. Disse que por causa do tamanho talvez fosse melhor retirá-lo, mas que aguardaríamos ainda uns seis meses e refaríamos um exame. Se o caroço estivesse crescendo, teriam que removê-lo por segurança, para que não riscasse de afetar os tecidos laterais.

O resultado chegou e era mesmo o que ele tinha dito. Me tranquilizei. Nem pensei nisso até o próximo exame. Mas no seguinte eu já estava grávida e não poderia fazer a mamografia. Fizemos então um simples exame de ultra-sonografia e a senhora que fez já disse imediatamente quando viu que era um fibroma. Ele parecia estável.

Dois anos depois eu já havia aprendido a conviver com aquilo dentro de mim. Sentia um pouco de medo, mas não me apavorava. Minha primeira filha tinha nascido e eu tinha muito o que aprender da vida para tentar ensinar pra ela.

Quando resolvi fazer a mamografia de controle seguinte, fiquei grávida da segunda e não pude. E depois que ela nasceu eu fui. O caroço tinha desaparecido, ninguém sabe como. Ele era grande, tinha alguns centímetros e não estava mais lá, em lugar nenhum. Me lembro que meu médico riu quando eu disse que « il est allé se promener », ele tinha ido passear.

Essa foi uma das minha experiências. Aprendi que não vale a pena a gente se preocupar com coisas que talvez nunca acontecerão. Eu sei que é bem mais fácil falar que agir, mas é um fato e acho que devemos nos exercitar a colocá-lo em prática.

Agora eu estou passando por um período de divórcio e as coisas não têm sido fáceis. Quando minhas amigas vêm a força com a qual eu encaro a situação ficam surpresas. Dizem que sou corajosa. Corajosa, eu? Isso me surpreende. Não, não sou corajosa. Deus cuida de mim, é o que digo sempre.

Talvez devêssemos levar mais a sério a passagem bíblica dos lírios dos campos. E viver nossa vida de hoje como se amanhã não existisse. E deixar o filme rolar enquanto buscamos nosso cafezinho. Não se dá tempo na vida, porque a vida não pára o tempo pra gente. A gente vive minuto por minuto, segundo por segundo. E Deus está presente, porque Ele sim, é o mesmo de ontem, de hoje e de amanhã.



Autor: Letícia Thompson 
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