
Para segurar os fiéis ariscos, prontos para criticar e mudar de igreja quando contrariados, temos pregadores ungidos e comunicativos, apoio da mídia, cultos bem produzidos, testemunhos de convertidos famosos. A eficiência passou a ser medida não mais pela santidade e pela presença profética, mas pelas leis do mercado: produtividade, desempenho, faturamento, profissionalismo. No seu anseio por novidades, a igreja brasileira se tornou refém de técnicas religiosas importadas e devidamente apostiladas.
O membro da igreja se tornou um consumidor exigente, que quer serviços de qualidade no louvor, na escola dominical, no púlpito, além de estacionamento e uma boa programação. Ele não passa de um mero coadjuvante no projeto pessoal do líder carismático que faz a igreja crescer. É útil enquanto apóia, colabora, contribui, ou seja, enquanto é produtivo.
Nesse esquema não há lugar para pessoas questionadoras ou que buscam modelos eclesiásticos mais relacionais e menos eufóricos, mais autênticos, com mais amor e menos poder. Tudo é mágico e instantâneo. O pacote teológico e missiológico vem pronto, sem reflexão, sem profundidade e sem diálogo com a comunidade e a cultura. E quando vem a ruptura, ela vem da pior maneira possível, com luta pelo poder, maledicência, traições, expulsões e ressentimentos, que geram inimizades irreconciliáveis.
Por um lado, temos a migração contínua: muitos crentes já estão na terceira ou quarta igreja desde que se converteram; por outro lado, cada vez mais cristãos sinceros e comprometidos, porém feridos e abalados pelos descaminhos da igreja evangélica. Eles permanecem firmes na fé, no entanto não querem participar de nenhuma igreja. Alguns se voltam para a espiritualidade clássica cristã e passam a se alimentar de antigas correntes da igreja histórica, ocidental e oriental. A meditação, o silêncio, a solitude, os votos, a oração do coração, a mentoria, o companheirismo cristão são caminhos alternativos.
A tentação do mercado levou a igreja a distorcer os conteúdos da Grande Comissão. Fazer discípulos de Cristo, isto é, seguidores e imitadores de seu projeto, tornou-se fazer neo-evangélicos bem-sucedidos. Batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, isto é, a experiência e a compreensão do mistério do relacionamento trinitário, tornou-se batizar na cultura denominacional. Ensinar a guardar todas as coisas que vos tenho ensinado, isto é, o aprofundamento contínuo na abrangência do discipulado, tornou-se ensinar a pedir todas as coisas.
O resultado da religião de mercado é uma crise sem precedentes na liderança da igreja evangélica brasileira. Para aqueles que não se renderam ao mercado resta, muitas vezes, a frustração de seus ministérios diminutos e a culpa pelo lento crescimento de suas igrejas. Mesmo celebrando o crescimento numérico, precisamos assumir este lado obscuro da igreja, que não gostamos de admitir. Estas linhas nos convidam a olhar amorosamente para nós mesmos, líderes evangélicos: nossos corações, nossas motivações, nossa tentação pelo mercado, fazendo pequenas concessões e nivelando por baixo as exigências do discipulado e os conteúdos da Palavra de Deus. Mais do que nunca a igreja precisa de homens e mulheres que ousem olhar para dentro de seus corações e confessar suas mazelas, seus desejos de poder e de riqueza, suas vidas afetivas e sexuais não resolvidas, suas divisões e brigas, sua omissão profética e seu descaso social. E, assim, confessar nossos pecados e invocar a misericórdia do Pai para termos a coragem de prosseguir, apesar de nossas falhas, nesta sublime vocação de santidade e serviço para a qual fomos chamados.
Fonte: http://solomon1.com/