sábado, 9 de março de 2013

Em livro polêmico, historiador diz que primeiros cristãos eram vegetarianos

“Em toda História, nenhum outro deus jamais exigiu tanto sangue” afirma Leandro Cruz, autor de “Capitalismo: Religião Global” (disponível para download gratuito no blog Viagem no Tempo). Em seu livro, Cruz compara o sistema econômico e seus mecanismos de produção de ideologia às religiões e ao papel que elas desempenharam em outros momentos da História da humanidade. Para ele, a indústria de carne e outras formas de exploração animal pelo capital são exemplos claros da deterioração de valores, inclusive de sentimentos básicos de compaixão e respeito à vida. O livro é fruto de um projeto independente do autor, que decidiu compartilhar suas inquietudes frente ao tempo em que vivemos hoje, onde o culto ao “Deus Dinheiro” parece se sobrepor à qualquer outro deus inventado pelo ser humano. E, claro, a todos os seus valores. Em uma série de ensaios ele nos apresenta no livro a tese do capitalismo enquanto religião.

“Se por um lado a morte de animais em rituais religiosos no mundo antigo possa nos parecer uma ideia macabra, por outro demonstra o quanto o ato de tirar a vida de outro ser era encarado como algo sério. Tanto entre os judeus do Antigo Testamento, quanto entre a maioria da população do mundo greco-romano, comer carne de animais terrestres era algo que se fazia raramente, apenas em celebrações religiosas. Hoje o consumo de carne se tornou algo extremamente banal. Isso se tornou possível não apenas pelo aumento da tecnologia envolvida no processo produtivo, nem pelo devastador aumento das áreas ocupadas pela pecuária. Foi preciso fabricar a demanda, dessacralizar a vida e promover um estilo de vida antinatural e extremamente violento, impiedoso e nocivo, inclusive do ponto de vista nutricional. No nosso tempo de capitalismo industrial globalizado, em que os publicitários ocuparam o lugar dos sacerdotes, a morte foi banalizada, mata-se ‘sem cerimônia’”, disse o historiador à ANDA.

Na interpretação de Cruz, as religiões são sistemas de pensamento, de interpretação do universo, que acabam por definir o mundo construído pelos homens que vivem sob esses sistemas. A ideologia que rege o Capitalismo seria, portanto, uma religião, mas uma religião que desconhece limites e freios morais, pois seu único parâmetro são os lucros.

Cruz, que em diversas passagens do livro menciona temas referentes à questão animal, destaca que muitas comunidades de cristãos primitivos entre os séculos I e III eram vegetarianas. No terceiro capítulo de Capitalismo: Religião Global, o pesquisador, que há quatro anos tornou-se vegetariano por questões éticas, escreveu: “Os pobres, sobretudo, só comiam carne sacrificada aos deuses em grandes festivais públicos. Os cristãos dos primeiros séculos debatiam e divergiam entre si se seria correto ou não que eles aproveitassem essas carnes oferecidas aos deuses romanos para se alimentar de graça ou a preços mais baratos. Uns achavam que sim, outros que a carne estava cheia de demônios, outros ainda que era melhor não participar dos festivais justamente para não colaborar com a manutenção e popularidade desses cultos. Muitas seitas de comunidades cristãs eram estritamente vegetarianas”. Esse debate era uma das principais polêmicas discutidas pelos cristãos de Corinto no século I quando Paulo escreve sua primeira carta àquela comunidade.

No seu livro lançado durante o último carnaval, o historiador analisa as injustiças socioambientais do capitalismo e os complexos mecanismos simbólicos que mantém esse sistema funcionando mesmo com tantos impactos negativos sobre a vida na Terra. “O capitalismo é uma doença de percepção de mundo que só atinge os humanos”, lembra Cruz. E ainda que estejam alheios, essa “doença” humana afeta a vida dos animais da pior forma possível. Um exemplo é a questão do habitat. Se o planeta se converte em propriedade humana dentro da lógica capitalista, onde ficam os direitos ao habitat dos animais? Dessa forma, milhares de espécies são extintas, pois a exploração indiscriminada de suas casas (rios, mares, florestas, etc) impedem sua sobrevivência.

A formação de historiador do autor contribui para o entendimento da atualidade por meio de um olhar sobre o passado e profundas reflexões sobre o presente. Soma-se a isso sua experiência com o jornalismo diário como editor do noticiário internacional e economia e, ainda, com a coluna semanal “Viagem no Tempo” publicada durante quatro anos no diário gaúcho Jornal do Povo.  O texto jornalístico, histórico, literário e por vezes poético de Leandro Cruz convida o leitor de Capitalismo: Religião Global a parar e pensar seriamente sobre o nosso tempo histórico e nossa interação com todas as formas de vida do planeta.



Fonte: ANDA
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