quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Livre das formatações religiosas

O controle, a manipulação pelo medo e a lei fazem surgir grupos numericamente expressivos, que convivem em ambientes castradores onde a graça e a liberdade não têm espaço.

É interessante o que acontece dentro das penitenciárias brasileiras. Quase todas elas, hoje, possuem um grupo de evangélicos como internos. Em sua maioria, eles conheceram a Cristo depois da condenação, e agora fazem questão de viver uma proposta espiritual rígida, legalista, até mesmo punitiva. Essas pessoas, quando despertam para uma experiência religiosa, adaptam-se melhor dentro desse tipo de doutrina. Como se não bastasse sua situação encarceramento físico, os crentes das prisões ainda optam por participar de congregações cujas normas e regras os aprisionam mais ainda! Psicologicamente, é uma escolha, até certo ponto, compreensível. Presidiários cristãos precisam de uma religiosidade capaz de impor limites a seus desejos e comportamentos – os mesmos que, um dia, afloraram de maneira desordenada, levando-os para trás das grades. Sabem , portanto, o quão perigosos são os instintos; melhor, então, controlá-los. E nada mais eficiente para isso do que a imagem de um Deus controlador.

Mas não são apenas detentos que têm dificuldade para lidar com a liberdade espiritual. Cada vez mais pessoas estão aderindo a experiências religiosas e eclesiásticas nas quais se depende cada veza mais da figura de uma pessoa ou de um grupo de pessoas para ditar comportamentos e pensamentos. O controle, a manipulação pelo medo e a lei fazem surgir grupos numericamente expressivos, que convivem em ambientes castradores onde a graça e a liberdade não têm espaço.

Felizmente, não precisa ser assim! A espiritualidade livre vivida por Jesus é o antídoto capaz de nos curar desse tipo de patologia religiosa. Cristo viveu e pregou uma espiritualidade da liberdade – e, por consequência, libertadora. Ele foi livre das formatações religiosas dos seus dias. Não se deixou aprisionar pelos esquemas teológicos dos escribas; rejeitou a prisão intelectual dos saduceus, escravos da razão e incapazes de crer no sobrenatural, na ressurreição; tampouco viveu encarcerado no deserto, como os essênios. O Filho de Deus também condenou a neurose comportamental dos fariseus, para quem tudo era uma questão de retidão do agir. Livre, Jesus passeou no pátio humano das ofertas aprisionantes. Livre dos esquemas religiosos, pôde se aproximar daqueles de quem a religião era inimiga: prostitutas, publicanos, leprosos, pecadores...

E o que dizer de sua liberdade das circunstâncias? “O barco vai afundar!”, gritavam todos, assustados com as ondas. No entanto, lá estava o Mestre, cochilando, com o coração acima daquilo que apavorava os outros. E o que dizer da ditadura do amanhã? “O que comeremos? Como nos vestiremos? O que vai acontecer?”, perguntamos. Diz ele: “Não se preocupem. O Deus das orquídeas, dos lírios e dos pássaros vai cuidar de vocês”. Que liberdade maravilhosa nasce quando vivemos isso!

E sua saúde emocional? Que imensa liberdade de sentimentos e emoções! O Salvador viveu aqui livre para rir e chorar. Era, também, livre para se irritar e até usar um chicote. E livre para dizer ao Pai que a carga sobre ele estava pesada. “Passa de mim o cálice” era o pedido de alguém que não estava preso a um papel social, que não tinha que viver para alimentar sua posição eclesiástica ou manter a liturgia dos cargos. Ele não impostava a voz, não fingia; era simplesmente quem era, fosse numa madrugada solitária de oração ou diante das multidões.

E sua liberdade com Deus? Por gozar de uma relação amorosa e graciosa com o Todo-poderoso, Cristo o chama de abba, ou “paizinho” – um sussurro de afeto. Jesus era tão livre que, ao enfrentar o absurdo da dor e do sofrimento da cruz, teve coragem de perguntar a Deus o motivo de tê-lo abandonado. Ah! Que essa liberdade da espiritualidade de Jesus abra as portas das nossas prisões e nos conduza a um jeito de ser e viver no qual sejamos livres dos esquemas religiosos que nos escravizam! Igualmente, que essa espiritualidade libertadora nos exima da massacrante luta por ganhar mais agora para viver melhor no futuro, das expectativas das pessoas, dos papéis que desempenhamos e de uma figura divina com a qual não podemos brigar e nem chamar, carinhosamente, de paizinho. Afinal, como disse um dos maiores intérpretes da mente e da vida de Jesus, foi para a liberdade que ele nos libertou!



Fonte: Eduardo Rosa em Cristianismo Hoje
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