domingo, 19 de agosto de 2012

Justiça russa condena banda punk Pussy Riot por terem cantado uma “oração punk” contra Vladimir Putin dentro de uma igreja

São três garotas de pinta punk. Têm uma banda chamada Ataque da Buceta. Entraram na Catedral da Sé e entoaram em altos brados uma canção agressiva, implorando à Virgem Maria que liberte o Brasil de Dilma Rousseff. Consideram a presidente uma criminosa e picareta, e acusam a igreja católica de espuriamente colaborar com a sua eleição.

A polícia chega e prende as três. Vão a julgamento. Acusação: vandalismo, e estímulo ao ódio religioso. Uma parcelinha mais liberal e intelectual do País defende a libertação das moças. A maioria dos brasileiros, ofendida, entende que elas foram muito malcriadas e desrespeitosas com a fé, e que se faça justiça: cana pras meninas. E você, que destino acha justo pras moças?

Foi exatamente o que aconteceu na Rússia. Vladimir Putin, homem-forte do País, tem apoio explícito da Igreja Ortodoxa Russa. É a fé que tem o maior número de fiéis, e secular tradição de apoio a déspotas. Na última eleição, seus sacerdotes voltaram a pedir votos para Putin, pregando direto dos púlpitos, inclusive seu patriarca, líder máximo dos ortodoxos.

Uma parcela cada vez maior da Rússia está cheia de viver sob os caprichos de uma plutocracia. Quer mudança. Mais alternância no poder, mais representatividade nas eleições, mais regulamentação na atividade dos super-ricos, mais fiscalização de governos e corporações, mais liberdade de expressão. Mais democracia, enfim. Mas Putin acaba de ser reeleito, para mais seis anos.

Um trio de mulheres russas, Maria, Nadezdha e Ikaterina, entre 22 e 30 anos, formaram uma banda chamada Pussy Riot. Decidiram protestar contra o apoio da Igreja Ortodoxa a Putin. Entraram numa igreja, cantaram alto, fizeram barulho, foram, enfim, punk. Foram condenadas hoje a dois anos de cadeia.

Você pode ver o protesto das três na igreja, em vídeo. O Guardian fez uma edição das imagens, juntando com imagens dos protestos a favor do Pussy Riot, com a nova música da banda servindo como trilha sonora.

Roqueiros internacionais, libertários profissionais, e simples simpatizantes dos valores democráticos do mundo afora torceram e até fizeram campanha para que elas saiam livres. De Paul McCartney às ativistas peladas do Femen. Saiu a sentença, continuam os protestos internacionais pra todo lado.

Virarão causa célebre? Mais provável serem esquecidas em alguns dias. Injustiças maiores acontecem a cada minuto. Mas o caso ilumina nosso tempo. E nossas noções equivocadas do que é, e do que deve ser, liberdade de expressão.

A maioria dos russos apoia a prisão e Putin. A maioria dos artistas russos fechou a boca sobre o assunto - para que irritar fãs e o principal patrocinador do País, o governo? Mesmo quem não está tão satisfeito assim com Putin, considera que as meninas foram desrespeitosas demais. Que fizeram tudo pra aparecer. Que se acham, são grossas, o nome da banda é agressivo, e que não representam a Rússia.

Tudo verdade. O problema é que a maioria dos russos, e dos seres humanos em geral, aplaude a democracia só quando todo mundo se comporta conforme padrões supostamente aceitáveis de comportamento. Esse é justamente o ponto do protesto do Pussy Riot: deixar claro que inaceitável é justamente respeitar um presidente, quando ele se arvora em ditador.

Ou uma igreja, quando ela apoia um regime autoritário. Mais que isso, dizem as punks: a única coisa certa a fazer é desrespeitar Putin e a Igreja Ortodoxa. Respeito se conquista, não se impõe.

A prisão das meninas é previsível, e serve para explicitar os limites bem claros do regime russo. A Rússia escorregou dos czares aos bolcheviques a essa pseudodemocracia imperial-mafiosa. Tem uma história emocionante, de grandes momentos de libertação. Nunca foi uma democracia liberal, modelito ocidental. Nem a maioria dos países. Nem o Brasil.

Dilma não é Putin e brasileiro não é russo. Dilma manda menos. Nós somos bem menos educados e liberais que os russos. Com toda a famosa malemolência brasileira, sabemos ser bem intolerantes. Desconfio que no Brasil a cana para o Ataque da Buceta seria pior do que para o Pussy Riot na Rússia. Isso se as meninas escapassem de um linchamento ali no ato mesmo, ou de serem torturadas pela polícia, ou estupradas na cadeia.

Liberdade religiosa só é possível quando é possível liberdade da religião. Portanto, em uma sociedade laica. Liberdade de expressão é a liberdade de quem discorda da gente. É premissa da vida inteligente, e pedra angular da nova civilização que precisamos construir.

Voltaire resumiu bonito, há séculos: "discordo de tudo que dizes, mas defenderei até a morte a liberdade de dizeres". Salman Rushdie, que foi perseguido por fundamentalistas, elaborou: "sem a liberdade de ofender, não há liberdade de expressão". Minha própria versão é menos elegante e mais na sua fuça: liberdade de expressão é sempre a liberdade de alguém que você odeia defender algo que você despreza.

Por isso, não importa o que eu ou você pensamos sobre o que as russas fizeram. Liberdade para o Pussy Riot. Liberdade para nós!



Fonte: R7
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