quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A tragédia de um incêndio

Naquele momento alguns fariseus chegaram perto de Jesus e disseram: — Vá embora daqui, porque Herodes quer matá-lo. Jesus respondeu: — Vão e digam para aquela raposa que eu mandei dizer o seguinte: “Hoje e amanhã eu estou expulsando demônios e curando pessoas e no terceiro dia terminarei o meu trabalho.” E Jesus continuou: — Mas eu preciso seguir o meu caminho hoje, amanhã e depois de amanhã; pois um profeta não deve ser morto fora de Jerusalém. — Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os mensageiros que Deus lhe manda! Quantas vezes eu quis abraçar todo o seu povo, assim como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram! Agora a casa de vocês ficará completamente abandonada. Eu afirmo que vocês não me verão mais, até chegar o tempo em que dirão: “Deus abençoe aquele que vem em nome do Senhor!”

Não aparece a palavra “fogo” ou “incêndio” nesta passagem mas a sua referência é clara na imagem da galinha. O comportamento da galinha diante de um incêndio é bem conhecido para quem foi criado no sítio ou na fazenda. Não é raro, depois de uma incêndio, achar uma galinha morta carbonizada e os pintinhos sãos e salvos debaixo das suas asas…

É impossível, até escandoloso, refletir sobre este texto sem se horrizar pelos fatos da segunda maior tragédia de incêndio na história do Brasil ocorrida anteontem à noite em Santa Maria. Fiquei espantado ao assistir as cenas naquela cidade onde eu e a minha esposa labutamos para estabelecer uma igreja entre 1982 e 1983. Profundo lamento e tristeza pelos pais e amigos das vítimas e indignação pelos reponsáveis, donos e autoridades civis, que permitiram de uma forma ou outra tamanho descaso.


Talvez o lamento de Jesus fosse assim também. Usando uma rica linguagem bíblica, vívida e violenta, (veja Sl 147.2, Pv 1.24; Dt 32.11-12; Rt 2.12) ele almeja fazer por Jerusalem, e por implicação, por todo o Israel, o que a galinha faz para salvar os seus pintinhos: dar a sua vida.  Até aqui, esta é a afirmação mais forte em Lucas sobre o que Jesus pensava em termos da sua morte. Mas antes, já havia falado do destino que ele precisava cumprir (9.22, 44; 12.50).

Mas o outro perigo que os pintinhos enfrentam, além do incêndio, são os predadores, especialmente a raposa. E esta é a imagem que Jesus usou para Herodes. Os fariseus haviam avisado a Jesus que Herodes queria matá-lo. Jesus respondeu, deixando o seu desdém para com Herodes muito claro. Todo o mundo sabia, afinal, que Herodes era “rei” somente por causa dos romanos, que seu pai era um ladrão de destaque que havia promovido o filho para reinar a partir da extremidades do território de Israel.

Igualmente incisiva é a afirmação, por Jesus, da sua própria vocação. E isto, ele fez por meio da imagens de uma trabalhador. Dois dias “trabalhei” expulsando demônios e curando as doenças e no terceiro dia, “terminarei”. Obviamente os ouvintes in loco não entenderam. Igualmente óbvio, os leitores do Evangelho, lendo para trás e lendo para frente, entenderam perfeitamente. O menino Jesus foi achado no terceiro dia no templo (2.46); e o Jesus ressurreto, vivo novamente no terceiro dia (24.21). O destino de Jesus, então, era de ir para Jerusalém e morrer, correndo o risco pelas ameaças da raposa e adotando a postura de uma galinha que salva os seus pintinhos do perigo iminente. E a resposta de Jerusalém? Bem, esta cidade teve uma história longa de rebelião contra Deus e na recusa da paz (que continua, por sinal, até hoje!). Em consequência da rebelião, Deus havia abandonado o templo e a cidade (Ez 10-11). E o único jeito agora de evitar a sua destruição total era receber o Enviado de Deus. Mas tudo indicava que isto não iria ocorrer. É neste contexto que Jesus declara que a sua vocação era de morrer para salvar os seus.

O que podemos dizer? Primeiro, Lucas nos traz um relato sobre um momento climático na história, que para ele já ocorreu e que no seu relato está prestes a vir. E a significância histórica precisa permanecer. Deus realizou os seus propósitos para seu povo por meio da morte e ressurreição de Jesus. Mas quem sabe há uma “lição”, em segundo plano lugar, para nós hoje. Quem somos nós nesta “história”? Os pintinhos, os fariseus, ou a raposa. Levantar esta pergunta não é transformar o relato em mera alegoria. Pois os relatos dos Evangelistas, especialmente as parábolas, mas também a composição destes relatos, foram realizadas para trazer os seus leitores para dentro destes eventos e dentro destas “lições”. E assim os Evangelhos foram utilizados como cartilhas para o discipulado. E neste sentido, aplicam-se para nós…

Oração

Eterno Pai. graças te damos pela Tua imensa salvação. Agora, Pai, esteja presente com aquelas famílias e os amigos das vítimas do incêndio em Santa Maria, trazendo consolação e movendo as pessoas para realizarem as mudanças necessárias para evitar tragédias como esta. Em nome de Jesus, Amém



Fonte: Tim Carriker em Ultimato
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