quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

‘Desculpa Qualquer Coisa’

Uma das coisas que mais me chateiam é ver alguém pedir perdão assim, por um erro que cometeu: “Se de algum modo eu te ofendi, então me desculpe!”. Apesar de ter uma aparência superficial de piedade, o fato é que a maioria das pessoas que lança mão desse expediente não está se desculpando por nada. Basta ver como a palavrinha “se” age na frase. Ela transmite a ideia de que, apesar do falso penitente não conseguir enxergar o erro que o outro viu e acusou, para o bem da paz ele pede perdão mesmo sem ver o erro. O resultado final é uma de duas coisas: ou ele não está pedindo perdão por nada, ou está pedindo perdão porque o outro não consegue ter uma compreensão clara dos fatos. Eu chamo esse falso pedido de perdão de “desculpa qualquer coisa” — frase dita popularmente.

O rei Davi faz algo parecido no Salmo 19. Ele diz: “Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas” (Sl 19.12). Será que Davi lançou mão do “desculpa qualquer coisa” com Deus? A resposta é não! O Salmo 19 é um discurso sobre a revelação da grandeza e da santidade do Senhor tanto pela natureza (vv.1-6) como pelas Escrituras (vv.7-10). Diante disso, o salmista pede para ser admoestado com aBíblia por causa das suas falhas (v.11) e clama que ele não sofra influência da soberba (v.13) e até daqueles males sutis, suas transgressões ocultas, às quais ele quer também abandonar e se ver perdoado e purificado pelo Senhor (v.12). Esse foi um pedido verdadeiro de perdão. De fato, essas transgressões ocultas, que muitas vezes passavam despercebidas, eram previstas na lei mosaica e havia um tipo de sacrifício para a purificação desses pecados cometidos na ignorância: “E do rebanho trará ao sacerdote um carneiro sem defeito, conforme a tua avaliação, para oferta pela culpa, e o sacerdote, por ela, fará expiação no tocante ao erro que, por ignorância, cometeu, e lhe será perdoado” (Lv 5.18).

Isso nos chama a atenção para alguns fatos ligados à nossa condição de pecadores. O primeiro deles é que é possível cometer um pecado sem se dar conta disso. O que não é possível é se esquecer que somos pecadores e, por isso, pecamos. Normalmente, quem usa muito o “desculpa qualquer coisa” se esquece disso. É como se nunca notasse suas falhas. Uma repreensão a gente assim dificilmente resulta em arrependimento e correção. Geralmente, tais pessoas se sentem ofendidas e até injustiçadas simplesmente por que criam a ideia de que elas não erram, ou, se erram, esses erros são irrelevantes e secundários. Mas não era assim que o rei Davi se via. Mesmo que tenha pedido perdão por faltas ocultas, ele sabia bem quem ele era: “Pois eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 51.3). Assim, ao ser repreendido pelo profeta Natan pelo pecado descrito no título do Salmo 51 — o adultério com Bate-Seba —, ele não usou de subterfúgios, mas se arrependeu, pediu perdão e buscou restauração verdadeira (Sl 51.4,9,10). Nada disso era mera aparência externa, mas algo que vinha do fundo do seu coração (Sl 51.17).

O segundo fato ligado ao conhecimento de que pecamos mais do que percebemos é que devemos ser zelosos com a santidade. Isso significa, em primeiro lugar, que não podemos brincar de ser servos de Deus. A vida cristã é uma batalha dura contra o mal e o mundanismo está tão difundido que podemos pecar contra Deus sem que nossa consciência nos acuse. Logo, precisamos conhecer cada vez mais a Palavra de Deus e nos aproximar de modo crescente do Senhor a fim de desenvolvermos uma consciência mais sensível ao mal e com maior aversão contra o pecado. Em segundo lugar, não podemos brincar com as tentações que não são ocultas, acreditando que temos controle sobre nossa carne e podemos repelir o mal mesmo passeando todos os dias no meio dele. Precisamos fugir de tudo que nos convida ao mundo e que nos afasta da comunhão do nosso salvador, sabendo que nossos corações não são fortes como pensamos (Jr 17.9), nem somos tão confiáveis como gostaríamos (Jr 17.5).

O último fato é que dependemos inteiramente da graça de Deus. Essa dependência não se dá apenas na salvação que é operada por Deus (At 13.48 cf. 16.14). Dependemos do Senhor também para termos uma vida santa. Isso, obviamente, não significa que não é responsabilidade nossa lutar contra a carne e contra os impulsos de voltar para o mundo. Ao contrário, somos instruídos a desenvolver em nós tudo que Deus ensinou, pelo que Paulo ordena aos filipenses: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Fp 2.12). Porém, imediatamente ele atrela essa luta à dependência do Senhor, dizendo: “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13). É claro que tal visão não faz bem ao nosso ego, mas nos coloca de joelhos diante de Deus, orando diariamente pela santificação da vida, e com as mãos para o alto, aclamando aquele que merece o louvor que nós não merecemos.

Sendo assim, que nosso pedido de perdão a Deus seja diferente. Digamos: “Senhor, desculpa qualquer coisaque eu tenha feito sabendo que é mal ou não, pois todas elas são pecado e eu sei que sou pecador. E que qualquer coisa contrária à sua vontade deixe de ser ocasião de paz para minha alma. Dá-me sensibilidade e conhecimento da tua Palavra para que eu faça qualquer coisa necessária para ser um bom servo. Amém!”.



Fonte: Pr. Thomas Tronco -  Igreja Batista Redenção
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