quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Brasil só perde para EUA e México em número de mórmons

O Presidente dos missionários, Marcus Martins, e esposa Mirian, em frente a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias

Há cerca de três meses, Carolina de Aquino Cidano, de 20 anos, descobriu que estava grávida. Com o marido, Diogo de Oliveira Silva, de 23, desempregado e ela mesma há apenas sete meses trabalhando como vendedora numa loja, não lhe parecia uma boa hora para ter um filho. Pensou em aborto. Desistiu. Estava confusa e angustiada. A sogra, a governanta Maria de Lourdes Oliveira, de 55, pensou que a nora precisava de ajuda espiritual e a convidou a ouvir os missionários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (SUD), mais conhecida como Igreja dos Mórmons, à qual se converteu há 12 anos.

Foi num modesto prédio no Morumbi, São Paulo, que Carolina encontrou, há dois meses, os missionários Tyler Ostlund, um americano de 20 anos, e Diego Amorim, de 21, baiano. Com gravatas, camisas brancas e plaquetinhas pretas com os nomes gravados sobre o bolso da camisa, os missionários são a face mais visível da igreja onde quer que se vá.

— O que podemos fazer para ajudar você? — pergunta o Elder (como são chamados os membros experientes da igreja e os missionários) Ostlund, em português perfeito.

Carolina fala do bebê, do trabalho cansativo, do marido desempregado. Diz que gosta de Deus, de crianças, de animais e de cantar. É pouco mais que uma menina confusa. O encontro dura uma hora. Os missionários rezam, dizem que "O Livro de Mórmon" é uma escritura tão sagrada quanto a Bíblia, cantam hinos.

— Prometemos que, se você guardar os mandamentos de Deus, terá felicidade sem fim, espiritualmente e materialmente — diz Diego.

Carolina está mais calma e promete ir à igreja. Ela fará parte dos 1,167 milhão de membros que a SUD projeta ter este ano no Brasil. O crescimento se acelerou nos últimos anos. Mantido o ritmo, o Brasil ultrapassará o México (1,234 milhão) como segundo maior país de mórmons do mundo em cinco anos, prevê a igreja, e ficará atrás apenas dos Estados Unidos, onde a religião nasceu e tem cerca de quatro milhões de fiéis. No mundo, são 14,1 milhões de mórmons.

— Apesar do enriquecimento dos emergentes, Brasil inclusive, e de toda a tecnologia, as pessoas sofrem com um vazio espiritual grande — diz o Elder Carlos Godoy, conselheiro da presidência da SUD no país, a única que não tem americanos na cúpula. — Nossa vantagem foi estarmos preparados.

Godoy se refere ao exército de quatro mil missionários que circulam pelo Brasil anualmente (50% brasileiros, 50% americanos). Aqui, eles se espalham por 27 regiões e, por dois anos, rapazes de 19 a 26 anos e mulheres de 19 a 40 peregrinam porta a porta tentando converter pessoas. O trabalho é sempre em dupla, o que lhes vale o apelido de Cosme e Damião, referência irônica aos santos católicos.

Nos EUA, os mórmons estão em alta. Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, é pré-candidato no Partido Republicano e briga para ser o opositor oficial do partido a Barack Obama nas eleições deste ano. Na Broadway, o musical "The Book of Mormon", dos mesmos criadores de "South Park", fatura alto e foi o grande vencedor do Tony em 2011.

Os mórmons não acreditam em proselitismo de massa. A pregação é olho no olho. Num terreno de oito mil metros quadrados em Casa Verde, Zona Norte de São Paulo, fica o Centro de Treinamento Missionário (CTM), por onde passam, por semana, 70 jovens candidatos a missionários. Ali, por três semanas (os brasileiros) ou nove (os americanos), recebem aulas de como melhor convencer as pessoas sobre o que diz "O Livro de Mórmon" e o retorno à terra de Jesus Cristo, fundamentos centrais da religião.

— Eles aprendem a lavar roupas, recebem dicas de convivência e descobrem como planejar a rotina, além das melhores formas de passar a mensagem da igreja — diz Aldo Francesconi, diretor do CTM.

Tarefa difícil num país onde porteiros e interfones separam a rua dos moradores de casas e edifícios. Sem falar nos que veem esse tipo de visita mais como chatice do que salvação.

— Usamos muito outros membros da igreja, que recomendam a conhecidos a visita dos missionários — diz Marcus Martins, presidente da Missão São Paulo Norte, uma das quatro regiões que dividem o estado. — Isso contorna o problema da segurança.

O que leva cada jovem ao trabalho missionário — um treinamento que custa US$ 500 e é bancado pelas famílias — vai da curiosidade à ideia de que aquilo vai melhorar suas vidas. É o que pensa a dona de casa Luzi Vandete dos Santos, de 46 anos, que há um mês se despediu aos prantos do filho Jonathan dos Santos Silva, de 24, na porta do CTM. Após o treinamento, eles passam pelo menos dois anos como missionários, vivendo em casas alugadas pela igreja. Nesse tempo, podem escrever emails ou cartas à família, mas só podem falar com os parentes três vezes por ano: Dia das Mães, Dia dos Pais e Natal.

— Eles voltam melhores — diz ela, cujo filho Julio Cesar dos Santos Silva, de 27 anos, também foi missionário.

Sem o apelo midiático de muitas das religiões neopentecostais que avançam pelo Brasil — ainda que esteja presente na internet —, a SUD tem uma estrutura corporativa digna de grandes empresas. Os cerca de 300 empregados do prédio-sede da administração em São Paulo (epicentro da igreja no Brasil, com o maior número de seguidores, seguido por Ceará) cuidam de tudo para que as mais de 1.900 congregações do país se dediquem apenas às discussões religiosas.

Ali, em meio a pôsteres de um Jesus Cristo caucasiano (quase louro), profissionais planejam e monitoram investimentos em prédios (cada nova capela para 500 pessoas custa R$ 3 milhões), digitalização de documentos (este ano, serão 4,2 milhões de registros de nascimento e casamento digitalizados, serviço fundamental para uma igreja que acredita no casamento após a morte), logística para produção e distribuição de material de evangelização (são 50 mil assinantes da revista "A Liahora", 200 mil exemplares de "O Livro de Mórmon" e 60 mil Bíblias vendidas por ano) e ações de responsabilidade social (doação de três mil cadeiras de rodas por ano e o programa de voluntarismo Mãos que Ajudam).

Além disso, há ações que melhoram a vida dos fiéis, como um fundo de educação que ajuda a pagar os estudos em famílias convertidas que não tenham condições. Em 2011, foram 13 mil alunos. Outro orgulho é o Centro de Recolocação de Empregos, que atende a 3.400 pessoas desempregadas com cursos de autossuficiência profissional e recolocação.

— A igreja me dá ferramentas para que eu possa me aprimorar — diz Juliana Ribeiro, desempregada há quatro meses, numa sala com cartazes onde o ex-presidente da SUD, Gordon Hinckley, explica uma filosofia que permeia várias igrejas americanas: "O Senhor gostaria que vocês fossem bem-sucedidos."

Esta estrutura é bancada por dízimos dos fiéis (10% da renda de cada um), cuidadosamente acompanhados em balancetes anuais individualizados. Há a percepção, entre os mórmons, de que o dízimo volta para a igreja e para os fiéis através dessa estrutura empresarial.

— É uma maneira de demonstrar ao Senhor como somos gratos por sua bênção — diz o autônomo José Luiz da Silva, 44 anos, chefe de uma família de cinco convertidos.

Há o outro lado. Ainda que a SUD negue que o pagamento do dízimo seja pré-requisito, muitos ex-mórmons focam nesta exigência suas críticas, alegando que ninguém participa ativamente das atividades religiosas ou sociais das congregações se não estiver com o pagamento em dia.

— Há uma vinculação clara entre pagamento e vida na igreja — diz o economista Antonio Carlos Popinhaki, 48, que foi membro da SUD por 18 anos, oito deles como bispo em Santa Catarina, até abandoná-la em 2005 e criar o blog "Sobre o mormonismo". — A SUD não paga impostos, e bispos fazem doações para a própria igreja como forma de eles mesmos pagarem menos impostos.

O discurso hiperconservador sobre virtudes é especialmente poderoso para quem vive fragilizado num mundo tão materialista e individualista. A valorização da família é o centro da doutrina, ainda que isso pareça anacrônico diante de um Brasil onde o divórcio só cresce, e as mulheres exercem cada vez mais a posição de chefes de família. Mas a igreja parece não se importar.

A SUD não tem bispos ou autoridades solteiros ou divorciados, sequer viúvos. Famílias gays, nem pensar. O sacerdócio é privilégio masculino, e as mulheres têm postos de liderança em cargos que cuidam de assuntos familiares e infantis. Em tese, mórmon não faz sexo antes do casamento, não bebe café ou chá e não toma álcool ou drogas.

— Gosto da igreja porque ela é voltada para a união da família — diz Maria José Gonçalves, 46 anos e nove filhos.

— A sensação de fazer parte de uma grande família, que parece protetora no início, acaba se tornando opressora no fim — conta Antonio Carlos.

— As religiões que estão mais próximas de pessoas cujas vidas passam por dificuldades tendem a ser bem-sucedidas. Elas representam um grupo que acolhe numa hora difícil — diz o teólogo Clemir Fernandes, do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

O mormonismo foi criado em 1830 nos Estados Unidos por Joseph Smith Jr., que aos 14 anos afirmou ter tido uma visão de Deus e de Jesus Cristo. A ele foi dito que ajudasse a restaurar o cristianismo, preparando os fiéis (considerados os santos) para a volta do messias no futuro (os tais últimos dias). Isso elevou Smith à condição de profeta, citado e adorado tanto quanto Jesus Cristo.

Ainda que essencialmente uma igreja cristã, teses sem fundamentos históricos (ou católicas) não faltam no fundamento teológico da SUD. Como a ideia de que o continente americano foi visitado por povos hebreus muitos anos antes do nascimento de Cristo. Ou que o próprio Cristo teria visitado as Américas após a ressurreição. Em 1823, Smith teria sido visitado por um anjo chamado Moroni, que o mostrou placas de ouro onde estaria a história da tal civilização vinda de Jerusalém para as Américas. As placas foram traduzidas e resultaram em livros, sendo que o mais importante é "O Livro de Mórmon".

Por ser adepto da poligamia (mais tarde banida do mormonismo) e de cerimônias maçons, Smith e seus seguidores eram vistos por religiosos protestantes americanos da época como membros de uma espécie de culto, pecha que persegue os adeptos da religião até hoje. A igreja se estabeleceu em Salt Lake City, em Utah, sede mundial da SUD. No Brasil, a religião chegou em 1926 através de um casal de imigrantes alemães, os Lippelt, que pediram o envio de missionários ao país.

Má notícia para o pré-candidato Mitt Romney, uma recente pesquisa do Instituto Gallup mostra que 22% da população americana jamais votaria num candidato mórmon, alegando serem eles adeptos de práticas "típicas de culto". As cerimônias, chamadas ordenanças, acontecem nos templos da igreja, sendo cinco deles no Brasil. Ali, onde só se permite a entrada de membros da SUD vestidos com roupas brancas especiais, são realizados rituais de casamento eterno (após a morte), de batismo de antepassados mortos (a SUD tem o maior banco de pesquisa genealógica do planeta e acredita que antepassados podem ser convertidos ao mormonismo), de aperfeiçoamento dos santos (um trajeto que resulta na transformação de humanos em deuses e deusas que habitarão um planeta chamado Kolob, perto da morada de Deus), além da entrega de códigos e chaves que são dados aos fiéis para a entrada no céu propriamente dita.

Em fevereiro de 2011, a igreja lançou uma campanha nacional nos Estados Unidos chamada "I’m a mormon" ("Sou um mórmon"), em que pessoas de várias profissões buscam desmistificar a ideia do mormonismo como uma seita de gente esquisita. Mas o estudante Lucas Dias, de 19 anos, convertido à igreja em 2003 em Bauru, decidiu sair da SUD em 2010 pelo que ele chama de "inconsistências e bizarrices da religião".

— As cerimônias nos templos são bizarras, e a trajetória da igreja não tem fundamento histórico nenhum, por isso eles buscam fazer com que você acredite cegamente nas escrituras inventadas por Joseph Smith — diz ele, que criou, no ano passado, o blog "HumorExMórmon".


Fonte: O Globo
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