quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A Igreja não salva

Apesar de parecer escandaloso e até mesmo herege, afirmar que a Igreja não é uma agência salvadora é simplesmente compreender o que ela é realmente. Atribuir uma missão desse tamanho à Igreja, além de não ser legítimo, é um grande erro que parece se perpetuar por séculos e séculos. Entender a verdadeira identidade e comissão da Igreja é um processo que depende da submissão à Palavra do Senhor bem como repúdio aos valores, preceitos e dogmas humanos que moldaram a visão de Igreja atual.

Igreja (grego ekklesia) originalmente significa uma assembléia de cidadãos, regularmente convocada. Assim, ela deve ser compreendida, como um resultado, como um agrupamento daqueles que já foram chamados e salvos pelo Senhor. É uma comunidade diferenciada espiritualmente, pois tem uma relação vital com Cristo que é seu “cabeça”. Assim, a Igreja pode ser compreendida e vista como um resultado da obra de Cristo.

Logo após a formação da Igreja e passada a época dos apóstolos (século I), pais (século II) e mestres da Igreja (século III) chegamos ao quarto século e ao começo, ou cristalização na Igreja, de uma ambição judaica. A Igreja acreditou que deveria promover o Reino Messiânico para que através dela o mundo fosse governado politicamente por Cristo. Por essa filosofia vimos a Igreja se enveredar num caminho repleto de engodos políticos, estratagemas, negociatas e corrupção. A Igreja, com sede em Roma, viu posteriormente seu decaimento espiritual e sua derrocada política, pois seu poderio, apesar de existir por um tempo, ruiu naturalmente mediante as oposições. Diante deste lamentável episódio restou a conclusão de que não caberia à Igreja tentar salvar ou dominar o mundo politicamente.

Em reação a esse pensamento surgiu a idéia do pós-milenismo, ou seja, a idéia de que a Igreja iria sim conquistar o mundo todo e que o Messias iria reinar através dela, mas de forma espiritual. Assim, o evangelho seria pregado a todas as nações e teria tanto sucesso que todos se curvariam diante dele. O Messias então reinaria espiritualmente e a Igreja seria sua agência administrativa visível. Mas, os rumos mudaram e a ação da Igreja como agência salvadora também não se mostraram tão eficazes até o momento e as perspectivas são de que tal vitória generalizada da Igreja é até uma espécie de utopia. A outra conclusão a ser tomada é que não caberia à Igreja salvar o mundo espiritualmente.

O pior é que atualmente alguns, ditos pertencentes à Igreja, que não aprenderam com a história, têm exatamente as mesmas ambições anteriores, mas o pior é que agora em dose dupla. Querem conquistar e dominador de todas as formas, politicamente e espiritualmente. O movimento nas Igrejas que impulsiona e orienta à comunidade afirmando que sua missão é salvar e conquistar todo o território, e se infiltrar nas diversas esferas da sociedade, têm sua base nos antigos anseios e desejos de poder da Igreja Romana. Comandos como “Tal cidade pertence ao Senhor Jesus” nada mais são do que gritos de guerra de uma filosofia equivocada, retrógrada e falida e nem mesmo de longe tem o apoio do Senhor.

O frenesi atual para infiltrar a “Igreja” na política, também tem suas origens na confusa intenção de disputar e conquistar o poder em nome de Deus. Tanto é que alguns candidatos apelam até para títulos como “pastor, bispo, apóstolo” como se tais títulos dissessem: “Vamos conquistar esse território para Jesus, a Igreja precisa disso!”. O pior ainda é que, além disso, tal domínio da “Igreja” tenta invadir até mesmo a liberdade das pessoas. O monitoramento 24h dos cristãos é uma realidade em alguns lugares. Coisas como: para onde ir, o que fazer, em que local trabalhar, o que estudar, com quem casar, o tipo de lazer e outras coisas já estão de baixo da ditadura do “domínio espiritual”. Tudo isso deve ser previamente aprovado ou rejeitado pela liderança espiritual. Pensar em rejeitar as opiniões dos dominantes é considerado rebelião. Penso que em breve poderemos ter uma nova edição da Santa Inquisição para tratar esses casos. Enfim, os rumos que traçam para Igreja são confusos e longe de serem aqueles caminhos originais traçados por Cristo. Como corrigir tais erros? Eles seriam evitados meramente com o retorno às origens!

Dessa forma, o que é Igreja? Simplesmente uma reunião de pessoas que foram salvas pela obra graciosa de Cristo Jesus e que existem, não para ser ou fazer outra coisa, além de testemunhar do amor do Senhor. Assim: 1) A Igreja não foi feita para salvar ninguém em nenhum sentido, isso é obra do Senhor Jesus Cristo através do Espírito e não cabe à Igreja usurpar essa função. 2) A Igreja não foi feita para conquistar. Quem conquista é o Senhor. 3) A Igreja deve ter uma participação mais passiva do que ativa, pois é o Senhor quem acrescenta à Igreja aqueles que devem ser salvos (Atos 2.47) e não o contrário. 4) A Igreja não é administradora de vidas, Cristo o é.



Fonte: Vlademir Fernandes De Oliveira Júnior em Teologia Crítica
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